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19/09/2011 (Segunda-feira)
19/09/2011 (Segunda-feira)
CAPÍTULO XX1
Podemos comparar essa lembrança à que conserva de Cartago, quem a viu? Não, a felicidade não se vê com os olhos, pois não é corporal. Seria pois comparável à lembrança dos números? Também não, pois quem conhece os números não deseja adquirí-los. Pelo contrário, a ideia da felicidade nos inclina a amá-la e a querer possuí-la, para sermos felizes.
Lembramos dela, talvez, como lembramos da eloquência? Também não, embora ao ouvir essa palavra, muitos que não são eloquentes a associam à realidade que ela exprime, e desejariam obtê-la, o que indica que já têm ideia da eloquência. Foi porém pelos sentidos do corpo que ouviram a eloquência alheia, deleitando-se com ela, e desejando também ser eloquentes. E certamente não lhes daria prazer se já não tivessem uma ideia da eloquência, e nem a desejariam se esta não os tivesse deliciado. Mas a felicidade não a percebemos nos outros por nenhum sentido corporal.
Essa lembrança, será porventura comparável à da alegria? Talvez, pois quando estou triste me lembro da alegria passada, e quando infeliz, lembro-me da felicidade. Ora, essa alegria, eu jamais a vi, ou ouvi, ou senti, ou saboreei, ou toquei; apenas a experimentei em minha alma quando me alegrei. E esta ideia se fixou em minha memória para que eu pudesse recordá-la, às vezes com desgosto, outras com saudades, conforme as circunstâncias que a geraram.
De fato me senti invadido de alegria causada por ações torpes, cuja lembrança agora aborreço e abomino; outras vezes alegrei-me por ações boas e honestas, das quais me lembro com saudade; mas já pertencem ao passado, e evoco com tristeza minha antiga alegria.
Mas onde e quando, então, experimentei a felicidade para lembrar-me dela, para amá-la e desejá-la? Não sou eu apenas, ou alguns os que a desejam; mas todos, sem exceção queremos ser felizes. Sem uma noção precisa da felicidade, nossa vontade não teria essa firmeza.
Que significa isto? Se perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, talvez um responda que sim o outro que não. Mas, perguntemos se desejam ser felizes, e ambos responderão que sim, sem nenhuma hesitação. E desejando engajar-se, e o outro não, têm ambos a mesma finalidade: ser felizes. Um gosta disto, outro daquilo, mas ambos concordam em ser felizes, como seria unânime a resposta afirmativa a quem lhes perguntasse se querem estar alegres. Essa alegria é o que eles chamam de felicidade. E ainda que um siga por um caminho e outro por outro, a finalidade de todos é uma só: a alegria. Como a alegria é um sentimento do qual todos temos experiência, a encontramos em nossa memória, e a reconhecemos ao ouvir pronunciar a palavra felicidade.
(Por Aurelius Augustinus *354 +430) Pág. 230-231.
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