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03/09/2011 (Sábado)
03/09/2011 (Sábado)
CAPÍTULO VIII
Todavia, não são as coisas em si que entram na memória, mas as imagens das coisas sensíveis, que ali ficam à disposição do pensamento que as evoca. Mas quem poderá explicar como se formaram tais imagens, apesar de se conhecer o sentido pelo qual foram captadas e escondidas em seu íntimo? Pois, mesmo quando estou em silêncio e no escuro, imagino, se quiser, as cores, e sei distinguir o branco do preto, e todas as outras entre si; e isto sem que os sons, mesmo os lembrados, perturbem minhas imagens visuais, e permanecem como que a parte. Se decido chamá-los, eles se apresentam imediatamente. Mesmo quando minha língua descansa e minha garganta se cala, canto quanto quero, sem que as imagens das cores, também presentes, se interponham ou perturbem enquanto me sirvo do tesouro que me entrou pelos ouvidos.
Do mesmo modo as demais impressões, introduzidas armazenadas em mim por meio dos outros sentidos, posso recordar a meu talante; distingo o aroma dos lírios do das violetas, sem cheirar nenhuma flor; e sem provar nem tocar em nada, mas apenas com a lembrança, posso preferir o mel ao arrobe e o macio ao áspero.
Tudo isto realizo interiormente, no imenso palácio da memória. Ali eu tenho às minhas ordens o céu, a terra, o mar, com tudo o que neles pude perceber, com exceção do que já me esqueci. Ali encontro a mim mesmo, recordo de mim e de minhas ações, de seu tempo e lugar, e dos sentimentos que me dominavam ao praticá-las. Ali estão todas as lembranças do que aprendi, quer pelo testemunho alheio, quer pela experiência. Deste mesmo manancial provém as analogias entre fatos de minhas experiências pessoais, ou em que acreditei baseado nas experiências prévias; ligo umas e outras ao passado, e medito no futuro, nas ações, nos acontecimentos, nas esperanças, e tudo como se estivesse presente. - "Farei isto ou aquilo" - digo para mim, neste vasto universo de minha alma, repleto de imagens de tantas e tão grandes coisas. E disso tiro esta ou aquela conclusão. "Oh! Se acontecesse isto ou aquilo!" "Queira Deus não aconteça isto ou aquilo!" Isto digo em meu íntimo, e nisso visualizando as imagens das realidades que exprimo, saídas do mesmo tesouro da memória: sem elas, nada poderia dizer.
(Por Aurelius Augustinus *354 +430) Pág.219-220.
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