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28/04/2012 (Sábado)
ILUMINE-SE!
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OS DIREITOS AUTORAIS DE "SOLILÓQUIOS E VIDA FELIZ" JÁ CADUCARAM, POIS O AUTOR FALECEU NO ANO 430 DE NOSSA ERA. PORTANTO, HÁ MAIS DE SETENTA ANOS. POSSO POSTAR, VOCÊ PODE COPIAR. É DE DOMÍNIO PÚBLICO. LEI 9610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 - ART. 41. OS DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR PERDURAM POR SETENTA ANOS CONTADOS DE 1° DE JANEIRO DO ANO SUBSEQÜENTE AO DE SEU FALECIMENTO, OBEDECIDA A ORDEM SUCESSÓRIA DA LEI CIVIL. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE ÀS OBRAS PÓSTUMAS O PRAZO DE PROTEÇÃO A QUE ALUDE O CAPUT DESTE ARTIGO.
QUEM CONVERSA, DE FATO, COM AGOSTINHO? SEU "EU" SUPERIOR? SEU ANJO DA GUARDA? NÃO É UM DIÁLOGO, CONFORME ELE — É UM SOLILÓQUIO.
(continuação)
A própria sabedoria purifica as vistas.
A — No dia seguinte continuo dizendo: indica-me aquela ordem, se puderes. Guia-me, leva-me para onde quiseres, através das coisas que quiseres. Ordena-me quaisquer coisas rigorosas, quaisquer coisas árduas, desde que estejam a meu alcance, pelas quais não duvide que chegarei aonde desejo.
R — Não sei de outra coisa senão a única que posso prescrever-te: devemos evitar inteiramente as coisas sensíveis e precaver-nos muito, enquanto vivemos neste corpo, para que nossas asas não sejam retidas pelo visgo dessas mesmas coisas.¹ É necessário que nossas asas estejam íntegras e perfeitas para voarmos destas trevas àquela luz, que certamente não se digna mostrar-se aos que estão fechados nesta gaiola, a não ser que se portem de modo que, uma vez rompida e quebrada esta gaiola, possam escapar para suas regiões. Por isso, quando estiveres em tal condição que absolutamente nada do que é terreno te cause deleite, acredita-me, naquele momento, naquele instante verás o que desejas.
A — Mas pergunto-te, quando isto acontecerá? Pois acho que não conseguirei ter essas coisas em sumo menosprezo, se não vir aquilo em cuja comparação tais coisas perdem o valor.
R — Desse modo, também o olho do corpo poderia dizer: deixarei de gostar da sombra quando eu vir o sol. Como se isso fizesse parte da ordem, o que de longe é muito diferente. Pois ele gosta da sombra porque não está são; e só pode olhar para o sol se estiver são. E neste ponto muito frequentemente se engana a mente julgando-se sã e gabando-se disto e, por não ver ainda, lamenta-se como se tivesse razão. Mas aquEla beleza sabe o momento em que há de se revelar. Ela desempenha a função de médico e sabe quais são os que têm saúde, melhor que os próprios enfermos que são objeto de medicação. Parece-nos ver quanto emergimos, mas não podemos imaginar nem sentir quanto estávamos submersos e, em comparação com uma doença mais grave, julgamos que estamos com saúde. Não percebes com que segurança falávamos ontem, no sentido de que não seríamos detidos por nenhuma enfermidade e nada mais amávamos senão a Sabedoria e que buscávamos ou desejávamos as demais coisas somente em função dEla? E quando refletíamos em conjunto sobre o desejo de uma mulher, como te parecia vil, abominável, detestável e horrível o abraço feminino! Mas agora, nesta noite, enquanto estamos acordados, novamente tratando do mesmo assunto, sentiste que eras lisonjeado por aquelas imaginadas carícias e amarga suavidade, de maneira diferente do que presumiras, certamente muito menos que o de costume, porém muito mais do que julgavas: para que, assim, aquEle secretíssimo médico te mostrasse ambas as coisas: do que escapaste e o que ainda resta para ser curado.
A — Por favor, cala-te, cala-te. Por que me atormentas, por que escavas tanto e vais tão profundo? Já não aguento chorar tanto, já não prometo nada, não presumo mais nada; não me pergunte mais a respeito dessas coisas. Corretamente disseste que aquEle, a quem desejo ardentemente ver, sabe quando estarei curado; faça Ele o que Lhe aprouver; confio-me totalmente à Sua clemência e ao Seu cuidado. De uma vez para sempre acredito que Ele não deixará de levantar os que assim se dispõem em relação a Ele. Não falarei nada mais a respeito de minha saúde senão quando contemplar aquEla beleza.
R — Não faças mais nada. Para de chorar e tem coragem. Já choraste demais e isto piorará a tua doença de peito.
A — Queres que minhas lágrimas tenham fim quando não vejo limite para a minha miséria. Falas para eu cuidar da saúde do corpo quando sou consumido por esta doença? Mas se tens algum poder sobre mim, peço-te que tentes conduzir-me por alguns atalhos para que, em virtude de alguma aproximação daquEla luz que já posso tolerar, se fiz algum progresso, tenha repugnância a voltar os olhos às trevas que abandonei, se é que possam ser consideradas como abandonadas, já que ainda ousam acariciar a minha cegueira.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
¹ Posteriormente Agostinho comenta esta expressão não pretendendo dar pé a que pensem que ele professasse a doutrina de Porfírio: "É necessário fugir de tudo que é corporal". "Mas convém notar, afirma Agostinho, que não falei de todas as coisas sensíveis, mas destas coisas".
A própria sabedoria purifica as vistas.
A — No dia seguinte continuo dizendo: indica-me aquela ordem, se puderes. Guia-me, leva-me para onde quiseres, através das coisas que quiseres. Ordena-me quaisquer coisas rigorosas, quaisquer coisas árduas, desde que estejam a meu alcance, pelas quais não duvide que chegarei aonde desejo.
R — Não sei de outra coisa senão a única que posso prescrever-te: devemos evitar inteiramente as coisas sensíveis e precaver-nos muito, enquanto vivemos neste corpo, para que nossas asas não sejam retidas pelo visgo dessas mesmas coisas.¹ É necessário que nossas asas estejam íntegras e perfeitas para voarmos destas trevas àquela luz, que certamente não se digna mostrar-se aos que estão fechados nesta gaiola, a não ser que se portem de modo que, uma vez rompida e quebrada esta gaiola, possam escapar para suas regiões. Por isso, quando estiveres em tal condição que absolutamente nada do que é terreno te cause deleite, acredita-me, naquele momento, naquele instante verás o que desejas.
A — Mas pergunto-te, quando isto acontecerá? Pois acho que não conseguirei ter essas coisas em sumo menosprezo, se não vir aquilo em cuja comparação tais coisas perdem o valor.
R — Desse modo, também o olho do corpo poderia dizer: deixarei de gostar da sombra quando eu vir o sol. Como se isso fizesse parte da ordem, o que de longe é muito diferente. Pois ele gosta da sombra porque não está são; e só pode olhar para o sol se estiver são. E neste ponto muito frequentemente se engana a mente julgando-se sã e gabando-se disto e, por não ver ainda, lamenta-se como se tivesse razão. Mas aquEla beleza sabe o momento em que há de se revelar. Ela desempenha a função de médico e sabe quais são os que têm saúde, melhor que os próprios enfermos que são objeto de medicação. Parece-nos ver quanto emergimos, mas não podemos imaginar nem sentir quanto estávamos submersos e, em comparação com uma doença mais grave, julgamos que estamos com saúde. Não percebes com que segurança falávamos ontem, no sentido de que não seríamos detidos por nenhuma enfermidade e nada mais amávamos senão a Sabedoria e que buscávamos ou desejávamos as demais coisas somente em função dEla? E quando refletíamos em conjunto sobre o desejo de uma mulher, como te parecia vil, abominável, detestável e horrível o abraço feminino! Mas agora, nesta noite, enquanto estamos acordados, novamente tratando do mesmo assunto, sentiste que eras lisonjeado por aquelas imaginadas carícias e amarga suavidade, de maneira diferente do que presumiras, certamente muito menos que o de costume, porém muito mais do que julgavas: para que, assim, aquEle secretíssimo médico te mostrasse ambas as coisas: do que escapaste e o que ainda resta para ser curado.
A — Por favor, cala-te, cala-te. Por que me atormentas, por que escavas tanto e vais tão profundo? Já não aguento chorar tanto, já não prometo nada, não presumo mais nada; não me pergunte mais a respeito dessas coisas. Corretamente disseste que aquEle, a quem desejo ardentemente ver, sabe quando estarei curado; faça Ele o que Lhe aprouver; confio-me totalmente à Sua clemência e ao Seu cuidado. De uma vez para sempre acredito que Ele não deixará de levantar os que assim se dispõem em relação a Ele. Não falarei nada mais a respeito de minha saúde senão quando contemplar aquEla beleza.
R — Não faças mais nada. Para de chorar e tem coragem. Já choraste demais e isto piorará a tua doença de peito.
A — Queres que minhas lágrimas tenham fim quando não vejo limite para a minha miséria. Falas para eu cuidar da saúde do corpo quando sou consumido por esta doença? Mas se tens algum poder sobre mim, peço-te que tentes conduzir-me por alguns atalhos para que, em virtude de alguma aproximação daquEla luz que já posso tolerar, se fiz algum progresso, tenha repugnância a voltar os olhos às trevas que abandonei, se é que possam ser consideradas como abandonadas, já que ainda ousam acariciar a minha cegueira.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
¹ Posteriormente Agostinho comenta esta expressão não pretendendo dar pé a que pensem que ele professasse a doutrina de Porfírio: "É necessário fugir de tudo que é corporal". "Mas convém notar, afirma Agostinho, que não falei de todas as coisas sensíveis, mas destas coisas".
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