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07/08/2011 (Domingo)
07/08/2011 (Domingo)
CAPÍTULO IV
Meus bens já não eram exteriores, e eu já não os buscava à luz deste sol, com olhos carnais. Os que querem gozar externamente, facilmente se dissipam e derramam pelas coisas visíveis e temporais, lambendo com pensamento faminto apenas as aparências. Oh! se eles se esgotassem com a privação, e perguntassem: Quem nos mostrará o bem¹? E que ouvissem nossa resposta: Está gravada dentro de nós a luz de teu rosto, Senhor! - Porque não somos nós a luz que ilumina a todo homem, mas somos iluminados por ti, para que sejamos luz em ti, nós que outrora fomos trevas².
Oh! se eles vissem essa luz interior e eterna, que eu havia visto! E como a havia saboreado, irritava-me por não poder mostrá-la. Se, pelos seus olhares dirigidos para fora, visse seu coração afastado de ti, e me dissessem: "Quem nos mostrará o bem?" Pois ali, onde me irritara contra mim mesmo, ali, no recôndito de meu coração onde arrependido, eu havia sacrificado e imolado em mim o velho homem; onde, pondo em ti minha esperança, começara a meditar a renovação de mim mesmo, ali fizeste com que eu sentisse tua doçura, dando alegria a meu coração. E exclamava ao ler, fora de mim, essas palavras cuja verdade ecoava em mim; e não queria mais desdobrar-me pelos bens terrenos, devorando o tempo e sendo por ele devorado, porque possuía na eterna simplicidade outro trigo, outro vinho e outro azeite.
E subia, no versículo seguinte, um profundo clamor de meu coração: Oh! em paz! Oh! em seu próprio Ser³! Mas, que disse? Dormirei e descansarei! Com efeito, quem nos há de resistir quando se cumprir a palavra que está escrita: A morte foi devorada pela vitória⁴?
Tu és esse mesmo Ser, e não mudas, e em ti está o repouso que faz esquecer todos os sofrimentos. Porque ninguém pode ser comparado a ti e nem vale pensar em adquirir outras coisas que não sejam o que tu és; mas tu, Senhor, singularmente me firmaste na esperança.
Eu lia isto, e me inflamava. Não sabia que fazer com aqueles surdos, de quem eu fora a peste, um cão raivoso e cego que ladrava contra a Bíblia, dulcificada por seu mel celestial e iluminada por tua luz. E me consumia de dor por causa dos inimigos de tuas Escrituras.
Quando poderei recordar tudo o que aconteceu naqueles dias de descanso? Mas não esqueci, nem quero silenciar, a aspereza de um açoite que usaste em mim, e a admirável presteza de tua misericórdia.
Atormentava-me então com uma dor de dentes, que se agravara a tal ponto que me impedia até de falar. Ocorreu-me ao pensamento⁵ pedir a todos os amigos, que rogassem por mim, ó Deus da salvação! Escrevi meu pedido numa tabuleta encerada, e lha dei para que a lessem. Apenas dobramos os joelhos com suplicante afeto, logo a dor desapareceu. E que dor! E como desapareceu! Enchi-me de espanto, eu o confesso, meu Deus e Senhor⁶. Nunca, desde minha infância, havia experimentado coisa semelhante.
No fundo de meu coração penetrou o sinal da tua vontade e, alegre na fé, louvei teu nome. Contudo, esta fé não me deixava viver tranquilo quanto a meus pecados passados, que ainda não me haviam sido perdoados por teu batismo.
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)Pág. 194-195
¹ Sl 4,6.
² Ef 5,8.
³ Sl 4,9.
⁴ I Cor 15,54.
⁵ I Cor 2,9.
⁶ Jo 20,28.
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