11/05/2012 (Sexta-feira)
ILUMINE-SE!
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OS DIREITOS AUTORAIS DE "SOLILÓQUIOS E VIDA FELIZ" JÁ CADUCARAM, POIS O AUTOR FALECEU NO ANO 430 DE NOSSA ERA. PORTANTO, HÁ MAIS DE SETENTA ANOS. POSSO POSTAR, VOCÊ PODE COPIAR. É DE DOMÍNIO PÚBLICO. LEI 9610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 - ART. 41. OS DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR PERDURAM POR SETENTA ANOS CONTADOS DE 1° DE JANEIRO DO ANO SUBSEQÜENTE AO DE SEU FALECIMENTO, OBEDECIDA A ORDEM SUCESSÓRIA DA LEI CIVIL. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE ÀS OBRAS PÓSTUMAS O PRAZO DE PROTEÇÃO A QUE ALUDE O CAPUT DESTE ARTIGO.
(Continuação)
Certas coisas são verdadeiras enquanto falsas.
A — Certo. Mas admiro-me por que distingas deste gênero aqueles poemas, piadas e outras trapaças.
R — Porque uma coisa é querer ser falso e outra coisa não poder ser verdadeiro. Pelo que podemos relacionar com as obras dos pintores e escultores as obras dos homens como, por exemplo, as comédias, as representações mímicas e outras do gênero. Pois é tão impossível que um homem pintado seja verdadeiro, ainda que tenha a semelhança de homem, como as coisas que foram escritas nos livros dos atores cômicos. Estas coisas se destinam a serem falsas, nem o são a seu critério, mas o são por certa necessidade de imitar o arbítrio daquele que representa. Desse modo, Róscio, por própria vontade, quando se apresentou no palco, representou o papel de falsa Hécuba, embora sendo verdadeiro homem. Mas, por essa sua vontade, manifestou-se verdadeiro ator trágico, por representar bem o papel que lhe fora atribuído. Entretanto, quando representava Príamo, era falso porque se assemelhava a Príamo, mas não o era. Daí resulta algo admirável que ninguém duvida em admití-lo.
A — E o que é?
R — O que achas senão que todas essas coisas, por um lado, são verdadeiras em alguns e, por outro lado, falsas em outros e, quanto ao ser verdadeiro, isto só é de utilidade para aqueles pelo fato de serem falsas para outros? Se tais coisas deixarem de ser falsas, de modo algum elas chegam a ser aquilo que querem ou devem ser. Pois como esse, que citei acima, seria um verdadeiro ator trágico se não quisesse ser falso Heitor, falsa Adrômaca, falso Hércules e inúmeras outras personagens? Como um quadro de cavalo seria verdadeira pintura se não fosse cavalo falso? Como a imagem de um homem refletida no espelho seria verdadeira imagem se não fosse falso homem? Por isso, se para alguns é proveitoso que tais coisas sejam algo falso para que sejam algo verdadeiro, por que tanto tememos a falsidade e desejamos a verdade como um grande bem?
A — Não sei, e admira-me muito, porque nesses exemplos nada vejo digno de imitação. Pois para sermos verdadeiros em nossa atitude, não devemos nos confundir nem assimilar-nos à atitude de outros e, por isso mesmo, sendo falsos, como atores representando, ou como as imagens refletindo nos espelhos, ou como as novilhas de bronze de Mirão, mas devemos buscar aquela verdade que não seja de dupla face, contraditória consigo mesma, sendo verdadeira por um lado e, por outro falsa.
R — Desejas coisas elevadas e divinas. Se chegarmos a elas, não haveremos, então, de proclamar que nessas coisas se realiza e se compõe a própria verdade, da qual toma seu nome tudo o que de algum modo é verdadeiro?
A — Concordo de bom grado.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
(Continuação)
Certas coisas são verdadeiras enquanto falsas.
A — Certo. Mas admiro-me por que distingas deste gênero aqueles poemas, piadas e outras trapaças.
R — Porque uma coisa é querer ser falso e outra coisa não poder ser verdadeiro. Pelo que podemos relacionar com as obras dos pintores e escultores as obras dos homens como, por exemplo, as comédias, as representações mímicas e outras do gênero. Pois é tão impossível que um homem pintado seja verdadeiro, ainda que tenha a semelhança de homem, como as coisas que foram escritas nos livros dos atores cômicos. Estas coisas se destinam a serem falsas, nem o são a seu critério, mas o são por certa necessidade de imitar o arbítrio daquele que representa. Desse modo, Róscio, por própria vontade, quando se apresentou no palco, representou o papel de falsa Hécuba, embora sendo verdadeiro homem. Mas, por essa sua vontade, manifestou-se verdadeiro ator trágico, por representar bem o papel que lhe fora atribuído. Entretanto, quando representava Príamo, era falso porque se assemelhava a Príamo, mas não o era. Daí resulta algo admirável que ninguém duvida em admití-lo.
A — E o que é?
R — O que achas senão que todas essas coisas, por um lado, são verdadeiras em alguns e, por outro lado, falsas em outros e, quanto ao ser verdadeiro, isto só é de utilidade para aqueles pelo fato de serem falsas para outros? Se tais coisas deixarem de ser falsas, de modo algum elas chegam a ser aquilo que querem ou devem ser. Pois como esse, que citei acima, seria um verdadeiro ator trágico se não quisesse ser falso Heitor, falsa Adrômaca, falso Hércules e inúmeras outras personagens? Como um quadro de cavalo seria verdadeira pintura se não fosse cavalo falso? Como a imagem de um homem refletida no espelho seria verdadeira imagem se não fosse falso homem? Por isso, se para alguns é proveitoso que tais coisas sejam algo falso para que sejam algo verdadeiro, por que tanto tememos a falsidade e desejamos a verdade como um grande bem?
A — Não sei, e admira-me muito, porque nesses exemplos nada vejo digno de imitação. Pois para sermos verdadeiros em nossa atitude, não devemos nos confundir nem assimilar-nos à atitude de outros e, por isso mesmo, sendo falsos, como atores representando, ou como as imagens refletindo nos espelhos, ou como as novilhas de bronze de Mirão, mas devemos buscar aquela verdade que não seja de dupla face, contraditória consigo mesma, sendo verdadeira por um lado e, por outro falsa.
R — Desejas coisas elevadas e divinas. Se chegarmos a elas, não haveremos, então, de proclamar que nessas coisas se realiza e se compõe a própria verdade, da qual toma seu nome tudo o que de algum modo é verdadeiro?
A — Concordo de bom grado.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
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