29/05/2012 (Terça-feira)
ILUMINE-SE!
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OS DIREITOS AUTORAIS DE "SOLILÓQUIOS E VIDA FELIZ" JÁ CADUCARAM, POIS O AUTOR FALECEU NO ANO 430 DE NOSSA ERA. PORTANTO, HÁ MAIS DE SETENTA ANOS. POSSO POSTAR, VOCÊ PODE COPIAR. É DE DOMÍNIO PÚBLICO. LEI 9610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 - ART. 41. OS DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR PERDURAM POR SETENTA ANOS CONTADOS DE 1° DE JANEIRO DO ANO SUBSEQÜENTE AO DE SEU FALECIMENTO, OBEDECIDA A ORDEM SUCESSÓRIA DA LEI CIVIL. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE ÀS OBRAS PÓSTUMAS O PRAZO DE PROTEÇÃO A QUE ALUDE O CAPUT DESTE ARTIGO.
(Continuação)
Agostinho expõe as etapas de sua navegação ao encalço da vida feliz.
Já que é assim, saiba ó meu caro Teodoro, como para chegar até aonde aspiro, fixo os olhos sobre ti, somente sobre ti, que não cesso de considerar como o mais capaz de me ajudar.
Reconhece, insisto, entre essas três categorias de navegantes, em qual delas me encontro a teu lado, qual o lugar em que me julgo situar e que tipo de auxílio espero de ti, com total confiança.
Tendo chegado à idade de dezenove anos, após ter conhecido na escola de retórica o livro de Cícero, intitulado "Hortêncio", senti-me inflamado de tal amor pela filosofia que pensei em me dedicar a ela sem reservas. Mas não me faltaram névoas a perturbarem minha navegação. Por muito tempo, asseguro-te, fixei os olhos sobre os astros que declinam no horizonte a induzirem-me ao erro. Pois uma espécie de escrúpulo supersticioso e pueril retinha meu espírito longe da investigação. Ao ir crescendo, porém, consegui dissipar tais névoas. Persuadi-me de que devia crer mais naqueles que ensinam do que nos emissores de ordens para crer. Caí sob a influência de homens que sustentavam um ser a luz física que percebemos com os olhos corporais digna do culto reservado à realidade suprema e divina.¹ Não dava, porém, pleno consentimento a essas ideias. Supunha que aqueles homens escondiam, atrás de véus, grandes verdades que haveriam de me revelar a seu tempo.
Enfim, após ter discutido com eles, abandonei-os. Tendo percorrido aquele mar por muito tempo, entreguei em seguida o timão de meu barco aos acadêmicos.² Foi ele então sacudido por toda espécie de ventos, em meio a vagalhões.
Finalmente, vim aportar nestas terras. Aqui aprendi a reconhecer a estrela polar (septentrionem), na qual pude confiar. Efetivamente, observei com frequência, nos sermões de nosso bispo e também em algumas conversas contigo, ó Teodoro, que da ideia de Deus deve ser excluída, absolutamente, qualquer imagem material. Diga-se o mesmo da ideia de alma, pois é ela, entre todas as realidades, a mais próxima de Deus.
Confesso-te, todavia, que o apego a uma mulher e a atração pelas honras impediam-me de voar, com prontidão, até o seio da Filosofia. Propunha-me lançar-me a velas despregadas e na força total dos remos, em direção ao porto da filosofia — como logram poucos e ditosíssimos varões — só após ter realizado aqueles meus desejos. Gozaria, então, da almejada paz!
Li entrementes algumas poucas obras de Platão, pelo qual tu te sentes fortemente atraído. Confrontava, quando podia, o valor de tais opiniões, com a autoridade dos livros que nos transmitem os divinos mistérios. Fui abrasado de tal ardor, que se não fosse por consideração a certos amigos teria rompido todas as minhas cadeias.
Que recurso me sobrava, a não ser uma tempestade — por mim considerada como algo adverso — a vir abalar as incertezas que me retinham? Foi então que fui tomado de agudíssima dor de peito que me incapacitou de assumir por mais tempo o peso de uma profissão que me fazia, sem dúvida, navegar em direção ao rochedo das Sereias.
Renunciei a tudo e conduzi meu barco, abalado e avariado, ao suspirado porto da tranquilidade.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
¹ Referência aos maniqueus com os quais Agostinho se relacionou durante nove anos com o objetivo de encontrar, em sua doutrina, a verdade, conforme relata nas Confissões III,6,10: "Homens, cujos corações eram vazios de verdade, repetiam: Verdade, verdade! Falavam-me muito dela, mas não as possuíam, pelo contrário, ensinavam falsidades".
² Desiludido com os maniqueus, Agostinho refugia-se entre os acadêmicos, seita filosófica cujo princípio fundamental era a dúvida universal, gerando em seus seguidores indiferença e ceticismo. Nas Confissões VI,2,2 referindo-se a esse período, comenta: "Ambrósio não sabia que filho era eu, cético a respeito de Tu, e convicto de não poder encontrar o caminho da vida".
Tendo chegado à idade de dezenove anos, após ter conhecido na escola de retórica o livro de Cícero, intitulado "Hortêncio", senti-me inflamado de tal amor pela filosofia que pensei em me dedicar a ela sem reservas. Mas não me faltaram névoas a perturbarem minha navegação. Por muito tempo, asseguro-te, fixei os olhos sobre os astros que declinam no horizonte a induzirem-me ao erro. Pois uma espécie de escrúpulo supersticioso e pueril retinha meu espírito longe da investigação. Ao ir crescendo, porém, consegui dissipar tais névoas. Persuadi-me de que devia crer mais naqueles que ensinam do que nos emissores de ordens para crer. Caí sob a influência de homens que sustentavam um ser a luz física que percebemos com os olhos corporais digna do culto reservado à realidade suprema e divina.¹ Não dava, porém, pleno consentimento a essas ideias. Supunha que aqueles homens escondiam, atrás de véus, grandes verdades que haveriam de me revelar a seu tempo.
Enfim, após ter discutido com eles, abandonei-os. Tendo percorrido aquele mar por muito tempo, entreguei em seguida o timão de meu barco aos acadêmicos.² Foi ele então sacudido por toda espécie de ventos, em meio a vagalhões.
Finalmente, vim aportar nestas terras. Aqui aprendi a reconhecer a estrela polar (septentrionem), na qual pude confiar. Efetivamente, observei com frequência, nos sermões de nosso bispo e também em algumas conversas contigo, ó Teodoro, que da ideia de Deus deve ser excluída, absolutamente, qualquer imagem material. Diga-se o mesmo da ideia de alma, pois é ela, entre todas as realidades, a mais próxima de Deus.
Confesso-te, todavia, que o apego a uma mulher e a atração pelas honras impediam-me de voar, com prontidão, até o seio da Filosofia. Propunha-me lançar-me a velas despregadas e na força total dos remos, em direção ao porto da filosofia — como logram poucos e ditosíssimos varões — só após ter realizado aqueles meus desejos. Gozaria, então, da almejada paz!
Li entrementes algumas poucas obras de Platão, pelo qual tu te sentes fortemente atraído. Confrontava, quando podia, o valor de tais opiniões, com a autoridade dos livros que nos transmitem os divinos mistérios. Fui abrasado de tal ardor, que se não fosse por consideração a certos amigos teria rompido todas as minhas cadeias.
Que recurso me sobrava, a não ser uma tempestade — por mim considerada como algo adverso — a vir abalar as incertezas que me retinham? Foi então que fui tomado de agudíssima dor de peito que me incapacitou de assumir por mais tempo o peso de uma profissão que me fazia, sem dúvida, navegar em direção ao rochedo das Sereias.
Renunciei a tudo e conduzi meu barco, abalado e avariado, ao suspirado porto da tranquilidade.
(Continua)
(Por Aurelius Augustinus *354 +430)
¹ Referência aos maniqueus com os quais Agostinho se relacionou durante nove anos com o objetivo de encontrar, em sua doutrina, a verdade, conforme relata nas Confissões III,6,10: "Homens, cujos corações eram vazios de verdade, repetiam: Verdade, verdade! Falavam-me muito dela, mas não as possuíam, pelo contrário, ensinavam falsidades".
² Desiludido com os maniqueus, Agostinho refugia-se entre os acadêmicos, seita filosófica cujo princípio fundamental era a dúvida universal, gerando em seus seguidores indiferença e ceticismo. Nas Confissões VI,2,2 referindo-se a esse período, comenta: "Ambrósio não sabia que filho era eu, cético a respeito de Tu, e convicto de não poder encontrar o caminho da vida".
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