05/06/2012 (Terça-feira)
ILUMINE-SE!
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OS DIREITOS AUTORAIS DE "SOLILÓQUIOS E A VIDA FELIZ" JÁ CADUCARAM, POIS O AUTOR FALECEU NO ANO 430 DE NOSSA ERA. PORTANTO, HÁ MAIS DE SETENTA ANOS. POSSO POSTAR, VOCÊ PODE COPIAR. É DE DOMÍNIO PÚBLICO. LEI 9610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 - ART. 41. OS DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR PERDURAM POR SETENTA ANOS CONTADOS DE 1° DE JANEIRO DO ANO SUBSEQÜENTE AO DE SEU FALECIMENTO, OBEDECIDA A ORDEM SUCESSÓRIA DA LEI CIVIL. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE ÀS OBRAS PÓSTUMAS O PRAZO DE PROTEÇÃO A QUE ALUDE O CAPUT DESTE ARTIGO.
(Continuação)
Podem os acadêmicos ser felizes?
Propus-lhes a questão nestes termos:
— Se é evidente, como a razão nos demostrou há pouco, não poder ser feliz quem não possui o que deseja; e de outro lado ninguém procurar o que não deseja encontrar; como então se explica que os acadêmicos estejam à procura da verdade? Porque eles a querem encontrar, mas por método infalível, a fim de a poder descobrir. E contudo não a descobrem! Segue-se, portanto, que não são felizes. Ora, ninguém é sábio, se não for feliz. Logo, o acadêmico não é sábio!
A essas palavras todos exultaram de alegria, como se tivessem recebido um prato cheio. Licêncio, contudo, considerando a questão com mais atenção e prudência, temeu dar sua aprovação e declarou:
— Eu também me servi convosco dessa iguaria,pois igualmente me alegrei com o impacto da conclusão apresentada. Contudo, não degustarei migalha alguma. Guardarei minha porção para dá-la a Alípio. Ou bem ele a provará comigo, ou me explicará por que não convém tocá-la.
— Tais guloseimas, disse eu, quem deveria temê-las é Navígio, devido a seu fígado doente.
— Navígio a sorrir replicou:
— Muito pelo contrário, essas guloseimas me trarão a cura, sem dúvida alguma. Não sei como, mas o prato complicado e picante que nos preparaste — como foi dito por alguém — se com o mel de Himeto, possui sabor agridoce, e não me causará inchaço no estômago. Assim, se bem que me pique um pouco ao paladar, não deixarei de o consumir todo e com muito gosto. De fato, não vejo como se possa rejeitar tal conclusão.
— É absolutamente impossível rejeitá-la, afirmou Trigésio. Por isso, felicito-me de me sentir em desavença com os acadêmicos, há já bastante tempo. Não sabia como refutá-los, mas graças a não sei que instinto natural, ou mais exatamente, por qual impulso divino, eu já lhes era radicalmente hostil.
Licêncio procura apoiar-se em Alípio
_ Quanto a mim, replicou Licêncio, ainda não os abandono.
– Logo, estás em desacordo conosco? Pergunta-lhe Trigésio.
— Talvez, não sereis antes vós que estais em desacordo com Alípio? Insistiu Licêncio.
Tomei a palavra
— Não duvido que, se Alípio estivesse aqui presente, subscreveria esse meu breve raciocínio. Não poderia ele, com efeito, admitir nenhum destes absurdos: considerar como feliz quem, desejando a verdade, com todo ardor, carece entretanto desse grande bem da alma; ou afirmar que os acadêmicos não querem encontrar a verdade; ou ainda, que quem não é feliz possa ser sábio. Pois é com esses três ingredientes, representados pelo mel, farinha e amêndoas, que é feito o manjar que temes degustar.
Insiste Licêncio:
— Crês que Alípio seja homem para ceder de pronto a essa simples guloseima de criança, renunciando à abundância do sistema acadêmico? Esse é tão grande que, ao transbordar, submergiria ou arrastaria o teu tão diminuto argumento.
Repliquei:
— Como se fosse preciso procurar longo raciocínio, sobretudo em relação a Alípio! Ele por si mesmo se convenceria, perfeitamente, de que meus argumentos são fortes e eficazes. Entretanto tu, que decidiste depender da autoridade de pessoa ausente, qual de minhas proposições não aprovas? — negas não poder ser feliz quem não possui o que deseja? Ou pretendes que os acadêmicos não querem descobrir e possuir a verdade tão ardentemente procurada? Ou, acaso, estimas que o sábio possa ser in feliz?
Licêncio, com um sorriso contrafeito, afirmou:
— Declaro que quem não possui o que deseja pode ser plenamente feliz!
Como eu mandasse que essa resposta fosse anotada pelo estenógrafo, ele retratou-se:
— Não disse isso!
E como eu fizesse sinal para que também essa réplica fosse anotada:
— Sim, eu o disse, corrigiu-se.
Eu havia dado ordem, uma vez por todas, de não deixarem passar nenhuma palavra emitida sem que fosse registrada. Era assim que mantinha sob controle aquele jovem bastante versátil entre a reserva e a obstinação.
(Continua)
(Por Aurelius Augsustinus *354 +430).
Podem os acadêmicos ser felizes?
Propus-lhes a questão nestes termos:
— Se é evidente, como a razão nos demostrou há pouco, não poder ser feliz quem não possui o que deseja; e de outro lado ninguém procurar o que não deseja encontrar; como então se explica que os acadêmicos estejam à procura da verdade? Porque eles a querem encontrar, mas por método infalível, a fim de a poder descobrir. E contudo não a descobrem! Segue-se, portanto, que não são felizes. Ora, ninguém é sábio, se não for feliz. Logo, o acadêmico não é sábio!
A essas palavras todos exultaram de alegria, como se tivessem recebido um prato cheio. Licêncio, contudo, considerando a questão com mais atenção e prudência, temeu dar sua aprovação e declarou:
— Eu também me servi convosco dessa iguaria,pois igualmente me alegrei com o impacto da conclusão apresentada. Contudo, não degustarei migalha alguma. Guardarei minha porção para dá-la a Alípio. Ou bem ele a provará comigo, ou me explicará por que não convém tocá-la.
— Tais guloseimas, disse eu, quem deveria temê-las é Navígio, devido a seu fígado doente.
— Navígio a sorrir replicou:
— Muito pelo contrário, essas guloseimas me trarão a cura, sem dúvida alguma. Não sei como, mas o prato complicado e picante que nos preparaste — como foi dito por alguém — se com o mel de Himeto, possui sabor agridoce, e não me causará inchaço no estômago. Assim, se bem que me pique um pouco ao paladar, não deixarei de o consumir todo e com muito gosto. De fato, não vejo como se possa rejeitar tal conclusão.
— É absolutamente impossível rejeitá-la, afirmou Trigésio. Por isso, felicito-me de me sentir em desavença com os acadêmicos, há já bastante tempo. Não sabia como refutá-los, mas graças a não sei que instinto natural, ou mais exatamente, por qual impulso divino, eu já lhes era radicalmente hostil.
Licêncio procura apoiar-se em Alípio
_ Quanto a mim, replicou Licêncio, ainda não os abandono.
– Logo, estás em desacordo conosco? Pergunta-lhe Trigésio.
— Talvez, não sereis antes vós que estais em desacordo com Alípio? Insistiu Licêncio.
Tomei a palavra
— Não duvido que, se Alípio estivesse aqui presente, subscreveria esse meu breve raciocínio. Não poderia ele, com efeito, admitir nenhum destes absurdos: considerar como feliz quem, desejando a verdade, com todo ardor, carece entretanto desse grande bem da alma; ou afirmar que os acadêmicos não querem encontrar a verdade; ou ainda, que quem não é feliz possa ser sábio. Pois é com esses três ingredientes, representados pelo mel, farinha e amêndoas, que é feito o manjar que temes degustar.
Insiste Licêncio:
— Crês que Alípio seja homem para ceder de pronto a essa simples guloseima de criança, renunciando à abundância do sistema acadêmico? Esse é tão grande que, ao transbordar, submergiria ou arrastaria o teu tão diminuto argumento.
Repliquei:
— Como se fosse preciso procurar longo raciocínio, sobretudo em relação a Alípio! Ele por si mesmo se convenceria, perfeitamente, de que meus argumentos são fortes e eficazes. Entretanto tu, que decidiste depender da autoridade de pessoa ausente, qual de minhas proposições não aprovas? — negas não poder ser feliz quem não possui o que deseja? Ou pretendes que os acadêmicos não querem descobrir e possuir a verdade tão ardentemente procurada? Ou, acaso, estimas que o sábio possa ser in feliz?
Licêncio, com um sorriso contrafeito, afirmou:
— Declaro que quem não possui o que deseja pode ser plenamente feliz!
Como eu mandasse que essa resposta fosse anotada pelo estenógrafo, ele retratou-se:
— Não disse isso!
E como eu fizesse sinal para que também essa réplica fosse anotada:
— Sim, eu o disse, corrigiu-se.
Eu havia dado ordem, uma vez por todas, de não deixarem passar nenhuma palavra emitida sem que fosse registrada. Era assim que mantinha sob controle aquele jovem bastante versátil entre a reserva e a obstinação.
(Continua)
(Por Aurelius Augsustinus *354 +430).
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