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GALÁXIA, ALFA, Brazil
Simples como a brisa, complexo como nós. Nascido em 25/5/1925.

OLÁ!

BOM DIA, BOA TARDE OU BOA NOITE. SEJA FELIZ!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

SONHO E VOLUPTUOSIDADE ( II ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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30/09/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO XXX


E por que, muitas vezes, mesmo no sono, resistimos, lembrados de nosso propósito, e nele permanecemos castos, negando o consentimento a tais seduções? Todavia, a diferença é tanta que, no caso de não resistir durante o sono, ao acordar voltamos a encontrar a paz de consciência; e a própria diferença entre os dois estados indica que não fomos nós que fizemos aquilo, e lamentamos o que se fez em nós.

Senhor onipotente, não poderia tua mão curar todas as enfermidades de minha alma, abolindo também, com maior abundância de graça, os movimentos lascivos de meu sono? Cada vez mais multiplica, Senhor, o número de tuas bondades para comigo, para que minha alma, livre do visco da concupiscência, siga até chegar a ti. Para que não seja rebelde, nem mesmo durante o sono; para que, pelo estímulo de imagens bestiais, não só não cometa essas torpezas degradantes até a lascívia carnal, mas que nem mesmo consinta nisso.

Não é muito para ti, ó Todo Poderoso, que podes fazer mais do que pedimos e compreendemos¹, fazer com que, quer na minha idade presente, quer na minha vida futura, eu me deleite nessas tentações -  mesmo que sejam tão pequenas, que o primeiro esforço as venceria, quando adormeço com pensamentos castos.

Agora digo exultando ao meu Senhor em que estado me encontro neste gênero de pecado, com tremor² pelos dons que já me concedeste, e gemendo pelas minhas imperfeições. Espero que aperfeiçoes em mim tuas misericórdias, até que atinja a plenitude da paz de que gozarão em ti meu espírito e meu corpo, quando a morte for absorvida pela vitória³.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.237-238.
¹ Ef 3,20.
² SL 2,11
³ Cor 15,54

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

SONHO E VOLUPTUOSIDADE ( I ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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29/09/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO XXX

Ordenas que me abstenha da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da ambição do século¹. Proibiste as uniões luxuriosas, e embora tenhas permitido o casamento, ensinaste que há um estado bem melhor. E, pela tua graça, optei por esse estado, antes mesmo de me tornar dispensador de teu sacramento.

Mas em minha memória, de que falei longamente, vivem ainda as imagens dessas voluptuosidades que meus costumes de outrora ali gravaram. Sem forças diante de mim quando estou acordado, durante o sono, elas não somente suscitam em mim o prazer, mas o consentimento do prazer e a ilusão da ação. Tais ilusões têm tal poder sobre minha alma e sobre meu corpo, apesar de tão falsas, que seus fantasmas impelem a meu sono o que a realidade não me pode induzir quando em vigília. Acaso então, Senhor meu Deus, será que eu não sou eu nessas horas? E como vai tão grande diferença dentro de mim mesmo, do momento em que passo da vigília para o sono e vice-versa! Onde pois está a razão, que durante a vigília resiste a tais sugestões, e que não se abala mesmo diante da realidade? acaso se fecha juntamente com os olhos? Ou adormece com os sentidos do corpo?

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 236-237.
¹ Jo 2,16.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ESPERANÇA EM DEUS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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28/09/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO XXIX

Só na grandeza da tua misericórdia coloco toda minha esperança. Dai-me o que me ordenas, e ordenas-me o que quiserdes. Mandas que sejamos castos. "Sabendo, diz um sábio, que ninguém pode ser casto se Deus não lhe der este dom, já é sabedoria saber de quem procede este dom¹." A continência reúne os elementos de nossa pessoa, reconduz-nos à unidade que perdemos dispersando-nos por tantas criaturas. Pouco te ama quem te ama juntamente com alguma criatura, e não a ama por tua causa.

Ó amor, que sempre ardes e jamais te extingues! Ó caridade, meu Deus, inflama-me! Ordena-me a continência? Dá-me o que mandas, e ordena o que quiseres!

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.236.
¹ Sab 8,21.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A VIDA DO HOMEM - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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27/09/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO XXVIII

Quando me unir a ti com todo meu ser, não sentirei mais dor ou fadiga; minha vida, cheia de ti, será então a verdadeira vida. Alivias aqueles que enches de ti; mas, como ainda não estou cheio de ti, sou um peso para mim mesmo. Minhas alegrias, que deveriam ser choradas, lutam com minhas tristezas que deveriam alegrar-me, e ignoro de que lado está a vitória.

Ai de mim, senhor, tem piedade de mim! As tristezas do meu mal lutam com minhas santas alegrias, e eu não sei de que lado está a vitória. Ai de mim! Senhor, tem piedade de mim¹! Eis minhas feridas: eu não as escondo. Tu és o médico, eu o enfermo; és misericordioso, e eu, miserável. Não é contínua tentação a vida do homem sobre a terra²? Quem quer aborrecimentos e dificuldades? Mandas que os suportemos, e não que os amemos. Ninguém ama o que tolera, ainda que goste de o tolerar; e mesmo que alguém se alegre em tolerar, preferiria nada ter que suportar. Na adversidade, desejo a prosperidade, e na prosperidade temo a adversidade. Entre estes dois extremos, qual será o termo médio onde a vida humana não seja tentação?

Ai das prosperidades do século, onde se receia a adversidade e a alegria é corrompida! Ai das adversidades do século, uma, duas, três vezes ai! Pelo desejo da prosperidade, por ser dura a adversidade, e pelo temor que vença a nossa paciência! A vida do homem sobre a terra não é pois uma contínua tentação?

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.235-236.
¹ SL 30,10.
² Jó 7,1

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

SOLILÓQUIO DE AMOR - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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26/09/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO XXVII

Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a te procurar! Eu, disforme, me atirava às formas das belezas que criaste. Estavas comigo, e eu não estava em ti. Retinham-me longe de ti aquilo que nem existiria, se não existisse em ti. Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume: respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti.Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 235.

domingo, 25 de setembro de 2011

ONDE ENCONTRAR DEUS? - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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25/09/2011 (Domingo)


CAPÍTULO XXVI

Onde então, te encontrarei, para te conhecer? Não estavas ainda em minha memória, antes de eu te conhecer. Onde, então, te encontrei, para te conhecer, senão em ti mesmo, acima de mim? No entanto, aí não existe espaço. Quer nos afastemos de ti, quer nos aproximemos, aí não existe espaço algum. Ó Verdade, por toda parte assistes aos que te consultam, e respondes ao mesmo tempo a todas essas diversas consultas. Tuas respostas são claras, mas nem para todos. Os homens te consultam sobre o que querem, mas nem sempre ouvem as respostas que querem. Teu servo fiel é o que não pensa em ouvir de ti a resposta que quer, mas sem querer a resposta que lhe dás.

(Por Aurelius Augustinus   *354   +430) Pág. 234. 

sábado, 24 de setembro de 2011

RECAPITULAÇÃO - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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24/09/2011 (Sábado)


CAPÍTULO XXV

Onde habitas em minha memória, Senhor, em que lugar dela estás? Que esconderijo construíste aí? Que santuário aí edificaste para ti? Deste-me a honra de morar em minha memória; mas em que parte dela resides? É o que quero agora descobrir.

Quando me recordei de ti, ultrapassei aquela região da memória que também os animais possuem, pois não te encontrei entre as imagens dos objetos corpóreos. E cheguei àquela parte onde depositei os afetos de minha alma, mas também aí não te encontrei. Cheguei à morada que meu próprio espírito possui na memória  -  porque também o espírito lembra de si mesmo  -  mas nem ali estavas. Isso porque não és imagem corpórea, nem afeto de ser vivo, como a alegria, a tristeza, o desejo, o temor, a lembrança, o esquecimento e outros semelhantes, e nem és meu próprio espírito, porque és o Senhor e o Deus do espírito, e tudo isso é mutável, enquanto permaneces imutável e subsistes acima de todas as coisas, e te dignaste habitar em minha memória desde que te conheço.

Mas, por que perguntar em que lugar da memória habitas, como se a memória tivesse compartimentos? Certo é que habitas nela desde que te conheço, e é nela que te encontro, quando penso em ti.

(Por Aurelius Augustinus  *354   +430) Pág. 234.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

DEUS E A MEMÓRIA - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES.

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23/09/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO XXIV

Eis como esquadrinhei minha memória em tua procura, Senhor; não me foi possível encontrar-te fora dela. Nada encontrei de ti que não fosse lembrança, e nunca me esqueci de ti desde que te conheci. Onde encontrei a verdade, aí encontrei a meu Deus, que é a própria verdade; e desde que aprendi a conhecer a verdade, nunca mais a esqueci. Por isso, desde que te conheço, permaneces em minha memória. É lá que te encontro quando me lembro de ti e quando sou feliz em ti. Estas são as santas delícias que me deste em tua misericórdia, olhando para minha pobreza.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 233.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

FELICIDADE E VERDADE ( II ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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22/09/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO XXIII

Há ainda um pouco de luz entre os homens; caminhem, caminhem, para que as trevas não os surpreendam¹.

Mas por que a verdade gera o ódio²? Por que os homens olham como inimigo aquele que a prega em teu nome, uma vez que amam a felicidade, que mais não é que a alegria nascida da verdade? Talvez por amarem a verdade de tal modo que tudo de diferente que amam, querem que seja verdade; e, não admitindo ser enganados, também não querem ser convencidos de seu erro. Desse modo, detestam a verdade por amarem aquilo que tomam pela verdade. Amam-na quando ela brilha, mas odeiam-na quando os repreende; e, como não querem ser enganados, mas enganar, eles a amam quando ela se manifesta, mas a odeiam quando ela os denun cia. Porém ela os castiga: não querem ser descobertos pela verdade, mas esta os denuncia, sem que por isso se manifeste a eles.

É assim o coração do homem! Cego e lerdo, torpe e indecente: quer permanecer oculto, mas não quer que nada lhe seja ocultado. Em castigo, sucede-lhe o contrário: não consegue esconder-se da verdade, enquanto esta lhe continua oculta. Contudo, apesar de tão infeliz, prefere encontrar alegrias na verdade que no erro. Será, portanto, feliz quando, livre de perturbações, se alegrar somente na Verdade, origem de tudo o que é verdadeiro.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.232-233.
¹ Jo 12,35.
2 Ter., Andria, 68.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

FELICIDADE E VERDADE ( I ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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21/09/2011 (QUARTA-FEIRA)


CAPÍTULO XXIII

Poderemos então concluir que nem todos desejam ser felizes, pois há aqueles que não querem buscar em ti sua alegria, tu que és a única felicidade? Ou talvez todos a queiram, mas, como a carne combate contra o espírito, e o espírito contra a carne, eles não fazem o que querem¹, mas apenas aquilo que podem, e com isso se contentam. Porque não querem com força bastante aquilo que não podem, para obtê-lo.

Pergunto a todos se preferem encontrar a alegria na verdade ou no erro; ninguém hesita em declarar que preferem a verdade, como em dizer que querem ser felizes. É que a felicidade é a alegria que provém da verdade. E essa alegria é a que nasce de ti, que és a própria Verdade, ó meu Deus, minha luz, saúde de meu rosto²! Todos querem essa vida, a única feliz, essa alegria que se origina na verdade.

Encontrei muitos que gostam de enganar, mas ninguém que quisesse ser enganado. Onde, então, conheceram a felicidade, senão onde conheceram a verdade? Visto que não querem ser enganados, também amam a verdade, e desde que amam a felicidade, que nada mais é que a alegria proveniente da verdade, certamente também amam a verdade; e não a amariam se não retivessem dela na sua memória, alguma noção. Por que, então, não se alegram com ela? Por que não são felizes? Porque se empolgam demais com outras coisas, que os tornam mais infelizes do que a verdade, de que se recordam fracamente, e que os faria felizes.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.232.
¹  Gál 5,7.
²  SL 26,1.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A VERDADEIRA FELICIDADE - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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20/09/2011 (TERÇA-FEIRA)


CAPÍTULO XXII

Longe de mim, longe do coração de teu servo, Senhor, que a ti se confessa, a ideia de encontrar a felicidade não importa em que alegria! A felicidade é uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas àqueles que te servem por puro amor: tu és essa alegria! Alegrar-se de ti, em ti e por ti: isso é felicidade. E não há outra. Os que imaginam outra felicidade, apegam-se a uma alegria que não é a verdadeira. Contudo, sempre há uma imagem da alegria da qual sua vontade não se afasta.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 231-232.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DO QUE NUNCA TIVEMOS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES.

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19/09/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO XX1

Podemos comparar essa lembrança à que conserva de Cartago, quem a viu? Não, a felicidade não se vê com os olhos, pois não é corporal. Seria pois comparável à lembrança dos números? Também não, pois quem conhece os números não deseja adquirí-los. Pelo contrário, a ideia da felicidade nos inclina a amá-la e a querer possuí-la, para sermos felizes.

Lembramos dela, talvez, como lembramos da eloquência? Também não, embora ao ouvir essa palavra, muitos que não são eloquentes a associam à realidade que ela exprime, e desejariam obtê-la, o que indica que já têm ideia da eloquência. Foi porém pelos sentidos do corpo que ouviram a eloquência alheia, deleitando-se com ela, e desejando também ser eloquentes. E certamente não lhes daria prazer se já não tivessem uma ideia da eloquência, e nem a desejariam se esta não os tivesse deliciado. Mas a felicidade não a percebemos nos outros por nenhum sentido corporal.

Essa lembrança, será porventura comparável à da alegria? Talvez, pois quando estou triste me lembro da alegria passada, e quando infeliz, lembro-me da felicidade. Ora, essa alegria, eu jamais a vi, ou ouvi, ou senti, ou saboreei, ou toquei; apenas a experimentei em minha alma quando me alegrei. E esta ideia se fixou em minha memória para que eu pudesse recordá-la, às vezes com desgosto, outras com saudades, conforme as circunstâncias que a geraram.

De fato me senti invadido de alegria causada por ações torpes, cuja lembrança agora aborreço e abomino; outras vezes alegrei-me por ações boas e honestas, das quais me lembro com saudade; mas já pertencem ao passado, e evoco com tristeza minha antiga alegria.

Mas onde e quando, então, experimentei a felicidade para lembrar-me dela, para amá-la e desejá-la? Não sou eu apenas, ou alguns os que a desejam; mas todos, sem exceção queremos ser felizes. Sem uma noção precisa da felicidade, nossa vontade não teria essa firmeza.

Que significa isto? Se perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, talvez um responda que sim o outro que não. Mas, perguntemos se desejam ser felizes, e ambos responderão que sim, sem nenhuma hesitação. E desejando engajar-se, e o outro não, têm ambos a mesma finalidade: ser felizes. Um gosta disto, outro daquilo, mas ambos concordam em ser felizes, como seria unânime a resposta afirmativa a quem lhes perguntasse se querem estar alegres. Essa alegria é o que eles chamam de felicidade. E ainda que um siga por um caminho e outro por outro, a finalidade de todos é uma só: a alegria. Como a alegria é um sentimento do qual todos temos experiência, a encontramos em nossa memória, e a reconhecemos ao ouvir pronunciar a palavra felicidade.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 230-231.

domingo, 18 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DA FELICIDADE - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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18/09/2011 (Domingo)


CAPÍTULO XX

E como hei de te buscar, Senhor? Quando te procuro, meu Deus, estou à procura da felicidade. Procurar-te-ei para que minha alma viva, porque meu corpo vive de minha alma, e minha alma vive de ti. Como então devo buscar a felicidade? Porque não a possuirei até que possa dizer "basta". Como, pois, procurá-la? Talvez pela lembrança, como se a tivesse esquecido, guardando contudo a lembrança do esquecimento? Ou pelo desejo de conhecer algo desconhecido, ou por nunca tê-lo vivido, ou por tê-lo esquecido a ponto de nem ter consciência do seu esquecimento?

Mas não será justamente a felicidade o que todos querem, sem exceção? E onde a conheceram para a desejarem tanto? Onde a viram para assim a amarem? O que é certo é que está em nós a sua imagem. Mas não sei como isto se dá. E há diversos modos de ser feliz: quer possuindo realmente a felicidade, quer possuindo apenas sua esperança. Este último modo é inferior ao dos que são realmente felizes, embora estejam melhor que os não felizes nem na realidade, nem na esperança. Mesmo estes, todavia, não desejariam tanto a felicidade se esta lhes fosse completamente estranha, e é certo que a desejam. Não sei como a conheceram, e portanto ignoro a noção que dela têm. O que me preocupa é saber se essa noção reside na memória, pois, se é lá que reside, é sinal de que fomos felizes alguma vez. Por ora não busco saber se todos fomos felizes individualmente, ou se o fomos naquele que pecou primeiro, e no qual todos morremos, e de quem nascemos na infelicidade. O que procuro saber é se a felicidade reside na memória, porque certamente não a amaríamos se não a conhecêssemos. Mal ouvimos esta palavra, e todos confessamos que desejamos a mesma coisa; e não é o som da palavra que nos deleita. Quando um grego a ouve pronunciar em latim, não se alegra, porque ignora seu sentido. Mas nós nos alegramos ao ouví-la, como ele se a ouvisse em sua língua. A felicidade, com efeito, não é grega nem latina; mas gregos e latinos, assim como todos que falam outras línguas, desejam alcançá-la.


Logo, a felicidade é conhecida de todos; e se fosse possível perguntar-lhes a uma voz: "Quereis ser felizes?"  -  todos, sem hesitar, responderiam que sim. E isso não aconteceria se a memória não tivesse em si a realidade, expressa por essa palavra.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430)Pág.229-230.

sábado, 17 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DAS LEMBRANÇAS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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17/09/2011 (Sábado)


CAPÍTULO XIX

E quando a própria memória perde uma lembrança, como acontece quando nos esquecemos de algo e procuramos recordá-la, o que se passa? Onde, afinal, a procuramos senão na própria memória? E se esta, por acaso, nos oferece uma coisa por outra, a repelimos até que apareça o que buscamos. E assim que aparece dizemos: "É isso". E assim não diríamos se não a reconhecêssemos, e não a reconheceríamos se dela não houvesse registro. É certo, portanto, que já a havíamos esquecido. Ou será que ela não se apagara totalmente de nossa memória, por meio da parte que nos ficou impressa procuramos a outra? A memória, nesse caso, teria ciência de não poder, como de ordinário, fornecer a lembrança em seu conjunto e, mutilada, reclamaria a parte faltante. É o que sucede quando vemos uma pessoa conhecida, ou nela pensamos sem poder recordar seu nome. Se outro nome se nos apresenta ao espírito, não o associamos à tal pessoa, porque em nosso pensamento estão unidos o nome e a pessoa; por isso o afastamos, até que se apresenta um que concorde com nossa representação habitual da pessoa.

Mas donde nos vem este nome, senão da memória? Mesmo quando nos é sugerido por outrem, é pela memória que o reconhecemos; não o aceitamos como um conhecimento novo, mas recordando-o, confirmamos ser esse o nome que nos disseram. Se fosse totalmente apagado da alma, nem mesmo avisados o reconheceríamos.

Não podemos pois, afirmar que nos esquecemos completamente daquilo de que nos lembramos ter esquecido. De nenhum modo poderíamos resgatar uma lembrança perdida se seu esquecimento fosse total.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430)Pág. 228-229.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DAS COISAS PERDIDAS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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16/09/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO XVIII

Uma mulher perdeu uma dracma, e a procurou com sua lanterna. Mas se não lembrasse dela, não a haveria de encontrar¹; de fato, se dela não lembrasse, como poderia saber, ao achá-la, que era aquela?

Lembro-me de ter procurado e achado muitas coisas perdidas; sei disso porque, estando eu à procura, me diziam: "Por acaso é esta?" "Por acaso é aquela?" -  e eu sempre respondia que não, até encontrar o que procurava. Se não tivesse fixado a lembrança do objeto, fosse o que fosse, ainda que me fosse mostrado, não o encontraria, pois não o poderia reconhecer. E sempre que perdemos e achamos alguma coisa acontece o mesmo.

Se alguma coisa desaparece de nossa vista, e não da memória  -  como sucede com um corpo visível  -  conservamos interiormente sua imagem e o procuramos até que apareça a nossos olhos. Quando for encontrado, será reconhecido de acordo com essa imagem interior. Não podemos dizer que encontramos um objeto perdido se não o reconhecemos; nem o podemos reconhecer se dele não lembramos. Tinha pois desaparecido da nossa vista, mas era conservado pela memória.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430)Pág. 228
¹ Lc 15,8.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

DEUS E A MEMÓRIA - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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15/09/2011 (QUINTA-FEIRA)


CAPÍTULO XVII

Grande é o poder da memória! E ela tem algo de terrível, meu Deus, em sua complexidade infinita e profunda. E isto é o espírito, e isto sou eu mesmo. Que sou, pois, meu Deus? Qual a minha natureza? Vida vária e multiforme, de amplidão imensa. Eis-me em minha memória, em seus campos, antros, inumeráveis cavernas, tudo isso infinitamente cheio de toda espécie de coisas, também inumeráveis. Umas gravadas em imagens, como os corpos; outras, como as ciências, aí estão presentes por si mesmas; outras ainda aí estão sob a forma de não sei que noções e sinais, como os afetos da alma, que a memória conserva quando a alma já não os sente, embora tudo o que está na memória esteja também no espírito. Percorro em todas as direções este mundo interior, vou de um lado para outro, e nele me aprofundo o mais possível, sem encontrar-lhe os limites, tão grande é a vida que reside no homem mortal!

Que hei de fazer, pois, meu Deus, minha verdadeira vida? Ultrapassarei também esta faculdade que se chama memória? Ultrapassá-la-ei para chegar a ti, doce luz? Que dizes? Subindo em espírito a ti, que estás acima de mim, ultrapassarei também esta minha força, que se chama memória, pois quero atingir-te onde és acessível, e unir-me a ti por onde possa fazê-lo. Também os animais e as aves têm memória, porque de outro modo não voltariam a seus ninhos e tocas, nem fariam outras coisas habituais, e nem mesmo poderiam adquirir hábitos sem a memória. Passarei, pois, além da memória para chegar àquele que me separou dos animais e me fez mais sábio que as aves do céu. Passarei além da memória, mas onde te hei de achar, ó Deus verdadeiramente bom, suavidade segura? Onde te hei de encontrar? Se te encontro sem minha memória, estou esquecido de ti, e se não me lembro de ti, como te poderei encontrar?

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430)Pág.227.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO ( II ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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14/09/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO XVI

Que direi então, desde que tenho a certeza que lembro do esquecimento? Diria talvez que não está em minha memória o que recordo? Ou talvez direi que o esquecimento está em minha memória, para que não o esqueça? Ambas hipóteses são grandes absurdos. Vejamos uma terceira hipótese: poderei eu afirmar que minha memória retém a imagem do esquecimento, e não o esquecimento em si, quando dele me lembro? Com que fundamento, pois, poderei dizê-lo, se para que se grave na memória a imagem de um objeto, é necessário que este esteja presente antes, de onde emana a imagem a ser gravada? É assim que lembro de Cartago, e assim de todos os outros lugares por que passei, assim me lembro do rosto dos homens que vi e das coisas que meus sentidos me deram a conhecer; assim me lembro ainda da dor física, coisas cujas imagens a memória fixou quando estavam presentes, para que eu as pudesse contemplar e repassar em espírito, quando eu as evocasse na sua ausência.

Se, pois, é a imagem do esquecimento que está na memória, e não ele mesmo, é evidente que nalgum momento esteve presente para que sua imagem fosse fixada. Mas, se estava presente, como podia gravar na memória sua imagem, se o esquecimento apaga com sua presença tudo o que lá está impresso? Contudo, seja qual for o mecanismo desse fenômeno, e por mais incompreensível e inexplicável que seja, estou certo de que me lembro do esquecimento, que apaga da memória todas as nossas lembranças.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 226-227.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO ( I ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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13/09/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO XVI

E quando falo do esquecimento, e reconheço de que falo, como poderia eu reconhecê-lo se dele não lembrasse? Não falo do som da palavra, mas da realidade que ela exprime. Se eu a tivesse esquecido, não seria capaz de reconhecer o significado de tal som. Por isso, quando me lembro da memória, é por ela mesmo que se apresenta a mim; mas quando me lembro do esquecimento, este e a memória estão presentes simultaneamente: a memória, com que me recordo, e o esquecimento, de que me recordo.

Mas, que é o esquecimento, senão falta de memória? E como pode ele estar presente na minha lembrança, se sua presença significa não lembrar? Mas se nos lembramos, o guardamos na memória, e se nos é impossível reconhecer o que significa a palavra esquecimento, quando a ouvimos, a não ser que dele nos lembremos, logo a memória é a que retém o esquecimento. Ele está na memória pois do contrário, nós o esqueceríamos; mas, ele presente, nós nos esquecemos. Segue-se que ele não está presente à memória por si mesmo, quando nos lembramos dele, mas por sua imagem. Do contrário, o esquecimento não faria com que nos lembrássemos, mas com que nos esquecêssemos. Mas, enfim, quem poderá descobrir, quem poderá compreender o modo como isto se realiza?

Mas, Senhor, esgota-me esta busca e é, portanto, sobre mim mesmo que me canso: tornei-me para mim mesmo uma terra de dificuldades e árduos labores. Por que não exploro agora as regiões do firmamento, nem meço as distâncias dos astros, nem busco as leis do equilíbrio da terra. Sou eu que me lembro, eu, o meu espírito. Não é de admirar que esteja longe de mim tudo o que não sou eu. Todavia, que há de mais perto de mim do que eu mesmo? No entanto, é-me impossível compreender a natureza de minha memória, sem a qual eu nem poderia pronunciar meu próprio nome.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.225-226.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DAS COISAS AUSENTES - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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12/09/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO XV

Mas quem poderá explicar se a recordação se faz por meio de imagens ou não?

 Por exemplo: se digo pedra, ou digo sol, sem que tais objetos estejam presentes a meus sentidos, certamente tenho suas imagens na memória, à minha disposição.

Evoco uma dor do corpo, que está ausente de mim, já que nada me dói. Contudo, se a imagem da dor não estivesse em minha memória, não saberia o que dizia, e ao raciocinar não a distinguiria do prazer.

Falo de saúde do corpo, estando são; neste caso, está em mim o próprio objeto. No entanto, se sua imagem não estivesse em minha memória, de modo algum lembraria o significado dessa palavra. Os doentes, ouvindo falar de saúde , não saberiam do que se trata, não fosse o poder da memória a conservar a imagem na ausência da realidade.

Falo dos números com que calculamos, e eles se apresentam na memória, não suas imagens, mas os próprios números.

Evoco a imagem do sol, e esta se apresenta à minha memória; e não evoco a imagem de uma imagem, mas a própria imagem, disponível à recordação.

Falo em memória, e reconheço o que falo; mas de onde o sei, senão da própria memória? Estará ela presente a si própria por sua imagem, e não por si mesma?


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.225. 

domingo, 11 de setembro de 2011

A LEMBRANÇA DOS SENTIMENTOS ( II ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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11/09/2011 (Domingo)


CAPÍTULO XIV

É ainda da memória que tiro a distinção entre as quatro emoções da alma: o desejo, a alegria, o medo e a tristeza. Assim, todo raciocínio que eu teça, dividindo cada uma delas nas espécies de seus gêneros, definindo-as, é na memória que encontro o que tenho a dizer, e de lá tiro tudo o que digo. Contudo, ao recordar essas emoções, não me perturbo com nenhuma delas. E antes mesmo que eu as recordasse para discutí-las, elas ali estavam, e por isso puderam ser tiradas da memória mediante a lembrança . Talvez a lembrança tire da memória essas emoções como o ato de ruminar tira do estômago os alimentos. Mas então, por que aquele que rumina sobre tais paixões não sente na boca do pensamento a doçura da alegria ou a amargura da tristeza? Estará justamente nisto a diferença se, todas as vezes que falássemos do medo ou da tristeza, nos víssemos tristes ou temerosos?

Contudo, certamente não poderíamos falar deles se não encontrássemos na memória não só os sons dessas palavras, segundo a imagem gravada em nós pelos sentidos, mas ainda as noções que elas exprimem. Essas noções, nós as recebemos por nenhuma porta da carne, mas a própria alma, sentindo-as pela experiência das próprias emoções, confiou-as à memória; ou então a própria memória as reteve, sem que ninguém lhas confiasse.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430). Pág.224.

sábado, 10 de setembro de 2011

A LEMBRANÇA DOS SENTIMENTOS ( I ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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10/09/2011 (Sábado)


CAPÍTULO XIV

Essa mesma memória conserva também os afetos da alma, não do modo como os sente a alma quando da vivência, mas de modo muito diverso, segundo o exige a força da memória. Lembro-me de ter estado alegre, ainda que não o esteja agora; recordo minha tristeza passada, sem estar triste; lembro-me de ter sentido medo, sem sentí-lo de novo; lembro-me de antigo desejo, sem que o mesmo sinta agora. Outras vezes, pelo contrário lembro-me com alegria a tristeza passada, e com tristeza uma alegria passada. Isto nada tem para admirar quando se trata de emoções corporais, porque uma coisa é a alma e outra o corpo; e assim não é maravilha que me lembre com alegria de um sofrimento físico passado.

Porém, aqui o espírito é a própria memória. Quando confiamos uma tarefa a alguém, dizemos: "Grave-o bem no espírito".  -  Quando nos esquecemos de algo dizemos: "Não o guardei no espírito", "fugiu-me do espírito." É, portanto, a memória que chamamos de espírito. Sendo assim, por que ao evocar com alegria uma tristeza passada, meu espírito sente alegria e minha memória, tristeza? Se meu espírito se alegra com a alegria que tem em si, por que a memória não se entristece com a tristeza, que também tem em si? Seria a memória estranha ao espírito? Quem ousará afirmá-lo? Sem dúvida a memória é como o estômago da alma, e a alegria e a tristeza como alimentos, doce ou amargo; quando tais emoções são confiadas à memória, depois de passarem, digamos, por esse estômago, podem ali serem guardadas, mas já perderam o sabor. Seria ridículo comparar emoções e alimento como semelhantes. Contudo, elas não são totalmente diferentes.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 223-224.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A MEMÓRIA DA MEMÓRIA - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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09/09/2011 (sexta-feira)


CAPÍTULOXIII

Tudo isso eu guardo em minha memória, assim como o modo pelo qual eu o aprendi. Também guardo na memória as muitas argumentações infundadas que ouvi contra essas verdades. Essas objeções sem dúvida são falsas, mas não é falso recordá-las. E lembro de ter sabido distinguir entre essas verdades e os erros que se lhe opunham. Vejo agora que uma coisa é essa distinção que faço hoje, e outra o recordar ter feito muitas vezes tal distinção, ao considerá-las. Lembro-me, portanto, de ter muitas vezes compreendido isso, e confio à memória o ato atual de distinguí-las e compreendê-las, para me lembrar, mais tarde, de que hoje as compreendi. Lembro-me então de que me lembrei; e se mais tarde lembrar de que agora pude recordar essas coisas, será ainda por força da memória.


(Por Aurelius Augustinus   *354  +430) Pág. 223.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A MEMÓRIA E AS MATEMÁTICAS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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08/09/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO XII

A memória guarda também as relações e inumeráveis leis dos números e dimensões, sendo que nenhuma dessas ideias foi impressa em nós pelos sentidos do corpo, porque não tem cor, nem som, nem têm cheiro, nem gosto, nem são tangíveis. Ouço, quando delas se fala, os sons das palavras que as exprimem; mas uma coisa são os sons, e outra bem diferente são as ideias que eles significam. As palavras soam de modo diferente em grego e em latim; mas as ideias nem são gregas, nem latinas, nem de nenhuma outra língua.

Vi linhas traçadas por artistas, finas como um fio de aranha. Mas as linhas materiais não são a imagem das que vi com meus olhos carnais. Para reconhecê-las não há necessidade alguma de se pensar em um corpo qualquer, pois, é no espírito que as reconhecemos.

Também conheci os números mediante os sentidos do corpo: mas a ideia de número é bem diferente: não são imagens dos primeiros, possuindo por isso mesmo um ser muito mais real.

Ria-se de mim quem não compreender o que disse; eu terei compaixão de seu riso.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.222-223.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

IDEIAS INATAS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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07/09/2011 (Quarta-feira


CAPÍTULO XI

Por isso descobrimos que adquirir tais noções  -  cujas imagens não atingimos por meio dos sentidos, mas que percebemos em nós, sem o auxílio de imagens, tais como são em si mesmas, nada mais é do que coligir com o pensamento os elementos esparsos na memória e, pela reflexão, obrigá-los a estarem sempre disponíveis à memória, onde antes se ocultavam em desordem e abandono, de modo que se apresentem sem dificuldade ao chamado de nosso espírito. E quantas noções desse tipo não encerra minha memória, já descobertas e, como disse, dispostas como que à mão; eis o que chamamos de "aprender" e "saber". Se porém deixo de as recordar por uns tempos, de tal modo submergem e se dispersam em seus profundos esconderijos, que é preciso reuní-las uma segunda vez, como se fossem novas, (cogenda)  -  pois não têm outra habitação  -  e juntá-las de novo para que possam ser objeto do saber, isto é: é preciso tirá-las de sua condição de dispersão e juntá-las novamente. Daí a palavra cogitare , porque cogo e cogito são como ago e agito, e facio, facito. Contudo, a inteligência reivindicou essa palavra (cogito) para si, de modo que essa operação de coligir, de reunir no espírito, e não em outra parte, é propriamente o que se chama pensar (cogitare).


(Por Aurelius Augustinus) Pág. 222.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

MEMÓRIA DOS SENTIDOS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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06/09/2011 (Terça-feira


CAPÍTULO X

Ouço dizer que há três gêneros de questões a saber: se uma coisa existe, qual a sua natureza e qual sua qualidade  -  retenho a imagem dos sons de que se compõem estas palavras, e sei que estes atravessaram o ar como ruído, e já não existem. Mas as realidades significadas por tais palavras, eu jamais atingi com nenhum sentido do corpo, nem as vi em nenhuma parte fora de meu espírito; o que gravei na minha memória não são suas imagens, mas as próprias realidades. Que me digam, se o puderem, por onde entraram em mim! Percorro em vão todas as portas do meu corpo, e não descubro por onde poderiam ter entrado. Com efeito: os olhos dizem: "Se são coloridas, fomos nós que as transmitimos".  - Os ouvidos dizem: "Se eram sonoras, foram por nós comunicadas".  -  As narinas dizem: "Se tinham cheiro, passaram por aqui." -  E o gosto diz: "Se não têm sabor, nada me perguntem." -  O tato declara: "Se não são corpóreas, eu não as toquei, e portanto não poderia revelá-las."

De onde, então, e por onde entraram em minha memória? Ignoro-o. Aprendi-as não dando crédito ao testemunho alheio, mas as reconheci de mim e aprovei-as como verdadeiras; confiei-as a meu espírito como em depósito, de onde poderei tirá-las quando quiser. Estavam pois ali, antes mesmo que eu as aprendesse, mas não na memória. E onde estavam então? E porque, ao serem mencionadas, eu as reconheci e disse: "É assim mesmo, é verdade" -  senão porque já estavam em minha memória? Mas tão escondidas e sepultadas em tão secretos recessos, que se alguém não as arrancasse dali com suas perguntas, talvez eu nem pudesse concebê-las.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.221.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A MEMÓRIA INTELECTUAL - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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05/09/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO IX

E não se limita a isto a imensa capacidade de minha memória. Ali estão, como em um lugar recôndito, que aliás, não é um lugar, todas as noções apreendidas das artes liberais, pelo menos as que ainda não esqueci. Mas, neste caso, não são as imagens delas que trago em mim, mas as próprias realidades em si. As noções de literatura, a dialética, as diferentes espécies de questões, tudo o que sei a respeito desses problemas estão em minha memória, mas não estão ali como a imagem solta de uma coisa, cuja realidade se deixou fora. Nesse caso seria como um som que se ouve e passa, como a voz que deixa no ouvido um rastro, que permite que a lembremos, como se ainda soasse embora já não soe; ou como o perfume que, ao passar e desvanecer-se no ar, atinge o olfato e grava sua imagem na memória, imagem que a lembrança reproduz; ou como o alimento, que perde o sabor no estômago, mas o conserva na memória; ou como um corpo que se sente pelo tato e que, ausente, é imaginado pela memória. Todas essas realidades não nos penetram a memória, mas tão somente são captadas as suas imagens com maravilhosa rapidez, e dispostas, digamos, em compartimentos admiráveis, de onde são extraídas pelo milagre da lembrança.


(Por Aurelius Augustinus) Pág. 220-221.

domingo, 4 de setembro de 2011

O MILAGRE DA MEMÓRIA ( III ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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04/09/2011 (Domingo)


CAPÍTULO VIII

Grande é realmente o poder da memória, prodigiosamente grande, meu Deus! É um santuário amplo e infinito. Quem pôde sondar até suas profundezas? É um poder próprio de meu espírito, que pertence à minha natureza; mas eu não sou capaz de compreender inteiramente o que sou. Será o espírito demasiado estreito para se conter a si mesmo? Onde, então, está o que ele não pode conter de si? Estaria fora dele, e não nele? Como então não o contém?

Esta ideia me provoca grande inspiração, e me enche de espanto. Viajam os homens para admirar as alturas dos montes, as grandes ondas do mar, as largas correntes dos rios, a imensidão do oceano, e se esquecem de si mesmos! Nem se admiram que eu fale dessas coisas sem vê-las com os olhos; contudo, eu não as poderia mencionar se esses montes, se essas ondas, esses rios, esses astros, que eu vi, se esse oceano, no qual acredito pelo testemunho alheio, eu não os visse na memória em toda sua dimensão, como se estivessem diante de mim. Mas quando eu os vi com meus olhos, eu não os absorvi; não são as coisas que se encontram dentro de mim, mas apenas suas imagens. E sei por qual sentido do corpo recebi a impressão de cada uma delas.


(Por Aurelius Augustinus) Pág. 220.

sábado, 3 de setembro de 2011

O MILAGRE DA MEMÓRIA ( II ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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03/09/2011 (Sábado)


CAPÍTULO VIII

Todavia, não são as coisas em si que entram na memória, mas as imagens das coisas sensíveis, que ali ficam à disposição do pensamento que as evoca. Mas quem poderá explicar como se formaram tais imagens, apesar de se conhecer o sentido pelo qual foram captadas e escondidas em seu íntimo? Pois, mesmo quando estou em silêncio e no escuro, imagino, se quiser, as cores, e sei distinguir o branco do preto, e todas as outras entre si; e isto sem que os sons, mesmo os lembrados, perturbem minhas imagens visuais, e permanecem como que a parte. Se decido chamá-los, eles se apresentam imediatamente. Mesmo quando minha língua descansa e minha garganta se cala, canto quanto quero, sem que as imagens das cores, também presentes, se interponham ou perturbem enquanto me sirvo do tesouro que me entrou pelos ouvidos.

Do mesmo modo as demais impressões, introduzidas armazenadas em mim por meio dos outros sentidos, posso recordar a meu talante; distingo o aroma dos lírios do das violetas, sem cheirar nenhuma flor; e sem provar nem tocar em nada, mas apenas com a lembrança, posso preferir o mel ao arrobe e o macio ao áspero.

Tudo isto realizo interiormente, no imenso palácio da memória. Ali eu tenho às minhas ordens o céu, a terra, o mar, com tudo o que neles pude perceber, com exceção do que já me esqueci. Ali encontro a mim mesmo, recordo de mim e de minhas ações, de seu tempo e lugar, e dos sentimentos que me dominavam ao praticá-las. Ali estão todas as lembranças do que aprendi, quer pelo testemunho alheio, quer pela experiência. Deste mesmo manancial provém as analogias entre fatos de minhas experiências pessoais, ou em que acreditei baseado nas experiências prévias; ligo umas e outras ao passado, e medito no futuro, nas ações, nos acontecimentos, nas esperanças, e tudo como se estivesse presente.  -  "Farei isto ou aquilo" -  digo para mim, neste vasto universo de minha alma, repleto de imagens de tantas e tão grandes coisas. E disso tiro esta ou aquela conclusão. "Oh! Se acontecesse isto ou aquilo!" "Queira Deus não aconteça isto ou aquilo!" Isto digo em meu íntimo, e nisso visualizando as imagens das realidades que exprimo, saídas do mesmo tesouro da memória: sem elas, nada poderia dizer.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.219-220.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O MILAGRE DA MEMÓRIA ( I ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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02/09/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO VIII

Vencerei então esta força de minha natureza, subindo por degraus até meu Criador.

Chegarei assim diante dos campos, dos vastos palácios da memória, onde estão os tesouros de inúmeras imagens trazidas por percepções de toda espécie. Lá também estão armazenados todos os nossos pensamentos, quer aumentando, quer diminuindo, ou até alterando de algum modo o que nossos sentidos apanharam, e tudo o que aí depositamos, se ainda não foi sepultado ou absorvido no esquecimento.

Quando ali penetro, convoco todas as lembranças que quero. Algumas se apresentam de imediato, outras só após uma busca mais demorada, como se devessem ser extraídas de receptáculos mais recônditos. Outras irrompem em turbilhão e, quando se procura outra coisa, se interpõem como a dizer; "Não seremos nós que procuras?" Eu as afasto com a mão do espírito da frente da memória, até que se esclareça o que quero, surgindo do esconderijo para a vista.

Há imagens que acodem à mente facilmente e em sequência ordenada à medida que são chamadas, as primeiras cedendo lugar às seguintes, e desaparecem, para se apresentarem novamente quando eu o quiser. É o que sucede quando conto alguma coisa de memória.

Ali se conservam também, distintas em espécies, as sensações que aí penetram cada qual por sua porta: a luz, as cores, as formas dos corpos, pelos olhos; toda espécie de sons, pelos ouvidos; todos os odores, pelas narinas; todos os sabores, pela boca; enfim, pelo tato de todo o corpo, o duro e o brando, o quente e o frio, o suave e o áspero, o pesado e o leve, quer extrínseco, como intrínseco ao corpo. A memória armazena tudo isso em seus vastos recessos, em suas secretas e inefáveis sinuosidades, para lembrá-lo e trazê-lo à luz conforme a necessidade. Todas essas imagens entram na memória por suas respectivas portas, sendo ali armazenadas.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 218-219.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

DEUS E OS SENTIDOS - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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01/09/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO VII

Que amo, então, quando amo a meu Deus? Quem é aquele que está acima da minha alma? É por minha alma, portanto, que subirei até ele. Hei de sobrepujar a força que me ata ao corpo, e que enche meu organismo de vida, pois não encontro nela o meu Deus. Se assim fosse, o cavalo e a mula, que não têm inteligência¹, também o encontrariam, porque essa mesma força vivifica seus corpos.

E existe outra força, que não só vivifica, mas que também torna sensível minha carne que o Senhor me deu, ordenando ao olho que não ouça, e ao ouvido que não veja, mas àquele que sirva para ver, e a este para ouvir, e que determinou a cada um dos outros sentidos o respectivo lugar e ofício. É deles que se serve minha alma para exercer suas diversas funções, permanecendo, contudo, uma só.

Vencerei também essa força, que também a possuem o cavalo e a mula, pois também eles sentem por meio do corpo.


(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.217-218.
¹ Sl 31,9.

EU VIM AQUI PARA TE DIZER QUE

TE AMO, IRMÃO; TE AMO IRMÀ
.


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