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GALÁXIA, ALFA, Brazil
Simples como a brisa, complexo como nós. Nascido em 25/5/1925.

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quinta-feira, 30 de junho de 2011

ENTRE DEUS E O MUNDO ( III ) LIVRO SEXTO DE CONFISSÕES

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30/06/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO XI

Enquanto assim pensava, e os ventos cambiantes impeliam meu coração de um lado para outro, o tempo passava, e eu retardava minha conversão ao Senhor. Adiava de dia para dia* o viver em ti, morrendo todavia todos os dias em mim mesmo amando a vida feliz, temia buscá-la em sua morada; procurava-a fugindo dela! Pensava que seria mui desgraçado se me visse privado das carícias da mulher. Não pensava ainda no remédio de tua misericórdia, que cura esta enfermidade, porque nunca o havia experimentado. Julgava que a continência fosse obra de nossa própria força, que eu pensava não ter. Eu era bastante néscio para ignorar que ninguém, como está escrito, é casto sem que tu lhes dê força.** Essa força tu certamente me darias se eu ferisse teus ouvidos com os gemidos de minha alma, e com fé firme lançasse em ti meus cuidados.
(Por Aurelius Augustinus  *345   -430) Pág. 134-135
*Eclo 5,8
** Sab 8,21

quarta-feira, 29 de junho de 2011

ENTRE DEUS E O MUNDO ( II ) LIVRO SEXTO DE CONFISSÕES

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29/06/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO XI

"Mas quando então, visitar os amigos poderosos, de cujos favores necessito? Quando preparar as lições que os alunos me pagam? Quando preparar as forças do espírito, descansando em algo aprazível?

"Perca-se tudo! Deixemos essas coisas vãs e fúteis. Entreguemo-nos por completo à busca da verdade. A vida é miserável, e a hora da morte incerta. Se esta me surpreender de repente, em que estado sairei deste mundo? E onde aprenderei o que deixei de aprender aqui? Não serei antes castigado por essa negligência? Mas, e se a própria morte for o fim ao todo cuidado e sentimento? Também seria conveniente investigar este ponto. Mas afastemos tais pensamentos! Não é por acaso nem é em vão que se difunde por todo o mundo a fé cristã, com grande prestígio. Deus jamais teria criado tantas e tais coisas por nós, se com a morte do corpo terminasse também a vida da alma. Porque hesitar, pois, em abandonar as esperanças do mundo para me consagrar á busca de Deus e da bem aventurança?

Mas espere um pouco! Os bens mundanos também têm seus deleites, que não são pequenos. Não devo deixá-los sem pensar; seria feio ter de voltar a eles. Eis-me preste a conseguir um cargo de honra. Que mais posso desejar? Tenho uma multidão de amigos poderosos. Sem me apressar muito poderia obter, no mínimo, uma presidência. Poderia então casar-me com uma mulher de alguma fortuna, para que meus gastos não fossem muito pesados. Aqui estariam os limites de meus desejos. Muitos homens grandes e dignos de imitação, apesar de casados, dedicaram-se ao estudo da Sabedoria.
(Por Aurelius Augustinus   *345   -430) Pág.134

terça-feira, 28 de junho de 2011

ENTRE DEUS E O MUNDO ( I ) LIVRO SEXTO DE CONFISSÕES

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28/06/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO XI

Era com admiração que me recordava diligentemente do longo tempo decorrido desde meus dezenove anos, quando comecei a arder no desejo da sabedoria, propondo-me, quando a achasse, abandonar todas as vãs esperanças e enganosas loucuras das paixões.

Chegado porém aos trinta anos, ainda continuava preso ao mesmo lodaçal, ávido de gozar dos bens presentes, que me fugiam e me dissipavam. Entretanto, dizia: "Amanhã hei de encontrá-la; a verdade aparecerá clara, e a abraçarei. Fausto virá, e dará todas as explicações. Ó grandes varões da Academia: é verdade que não podemos compreender nenhuma coisa com certeza para a conduta de nossa vida?

"Mas não! Procuremos com mais diligência, sem desesperarmos. Já não me parecem absurdas nas Escrituras as coisas que antes me pareciam tais: posso compreendê-las de modo diferente, mais razoável. Fixarei, pois, os pés naquele degrau em que me colocaram meus pais quando criança, até que encontre a verdade com suas evidências.

"Mas onde e quando buscá-la? Ambrósio não tem tempo livre para me ouvir, e a mim falta tempo para ler. E além do mais, onde encontrar os livros? E onde ou quando poderei comprá-los?

"Repartamos o tempo, reservemos algumas horas para a salvação da alma. Nasceu uma grande esperança: a fé católica não ensina o que eu pensava, e eu a criticava levianamente. Seus doutores têm como crime limitar Deus à figura humana; e eu ainda hesito em bater para que nos sejam reveladas as outras verdades! As horas da manhã eu dedico aos alunos; mas que faço das outras? Por que não as consagro a essa busca?
(Por Aurelius Augustinus   *354    -430) Pág. 133-134 

segunda-feira, 27 de junho de 2011

OS MISTÉRIOS DA BÍBLIA ( II ) LIVRO SEXTO DE CONFISSÕES

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27/06/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO V

Eu acreditava nisto, ora mais fortemente, ora mais frouxamente; mas em tua existência e que cuidavas do gênero humano, sempre acreditei, embora ignorasse a tua natureza, ou qual caminho que nos conduz ou reconduz a ti. Por isso, persuadido de nossa impotência para achar a verdade só por meio da razão, e que para isso nos é necessária a autoridade das Sagradas Escrituras, comecei a crer que nunca terias conferido tão soberana autoridade a essas Escrituras em todo o mundo, se não quisesses que crêssemos e te buscássemos por elas.

Sobre os mistérios em que costumava tropeçar, e que ouvira explicar muitas vezes de modo aceitável, eu os atribuía à sua profundidade, parecendo-me a autoridade das Escrituras tanto mais venerável e digna da fé sacrossanta, quanto de leitura fácil para todos. E ela reserva porém a uma percepção mais aguda a majestade de seu mistério. Pela clareza da linguagem e sua simplicidade do estilo, ela se abre a todos e, no entanto, estimula a reflexão dos que não são levianos de coração. Recebe a todos em seu vasto seio, mas não deixa ir a ti, por caminhos estreitos, senão um pequeno número; muito mais, porém, do que seriam se ela não tivesse essa elevada autoridade, e não atraísse as turbas ao regaço de sua santa humildade. 

Pensava eu nessas coisas, e me assistias; suspirava, e me ouvias; vacilava, e me governavas; seguia pela via larga do mundo, e não me abandonavas.
(Por Aurelius Augustinus   *345    -430) Pág.125-126

domingo, 26 de junho de 2011

OS MISTÉRIOS DA BÍBLIA ( I ) LIVRO SEXTO DE CONFISSÕES

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26/062011 (Domingo)


CAPÍTULO V

Desde esse tempo, recaía minha preferência na doutrina católica, porque ajuizava que nela houvesse mais modéstia, e não mentira, ao impor a crença no que não era demonstrado - quer porque, mesmo havendo provas, estas não fossem acessíveis a todos, quer porque não existissem. Diferente do que ocorria entre os maniqueus, que desprezavam a fé, e prometiam, com temerária arrogância, a ciência, para depois nos obrigarem a acreditar em uma infinidade de fábulas completamente absurdas, impossíveis de demonstrar.

Depois com suavidade e misericórdia, começaste, Senhor, a cuidar e a preparar aos poucos meu coração, e foi aceitando tudo o que eu acreditava sem ter visto, e a cuja realização não presenciara. Tantos fatos da história dos povos, tantas notícias sobre lugares e cidades que não vira, tudo o que aceitava acreditando em amigos, em médicos e em outras pessoas que, se não acreditássemos, não poderia dar um passo na vida. E sobretudo, que fé inabalável eu tinha em ser filho de meus pais, coisa que não poderia saber sem prestar fé no que ouvia. Então me convenceste de que os dignos de censura não são os que acreditam em teus livros, cuja autoridade estabeleceste entre todos os povos, mas os que não creem neles. E eu não devia dar ouvidos aos que talvez me dissessem: "Como sabes que esses livros foram dados aos homens pelo Espírito de Deus, único e verdadeiro?" Ora, era precisamente isto o que eu devia crer, porque nenhuma objeção caluniosa ou agressiva, das que eu havia lido nos escritos contraditórios dos filósofos, nunca conseguiram arrancar-me a certeza de tua existência, embora ignorasse o que eras, e a certeza de que o governo das coisas humanas está em tuas mãos.
(Por Aurelius Augustinus   *354   -430) Pág. 124-125

sábado, 25 de junho de 2011

OBEDIÊNCIA DE MÔNICA - LIVRO sexto DE CONFISSÕES

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25/06/2011 (Sábado)


CAPÍTULO II


Assim, um dia, como costumava na África, levou papas, pão e vinho puro à sepultura dos mártires, mas o porteiro não quis permitir suas ofertas. Quando soube que essa proibição vinha do bispo, resignou-se tão piedosa e obedientemente, que eu mesmo me admirei de quão facilmente passasse a condenar o hábito, e não a criticar a proibição de Ambrósio.

É que seu espírito não era dominado pela embriaguês, nem o amor do vinho a incitava ao ódio da verdade, como acontece a muitos homens e mulheres, que ao ouvir o cântico da sobriedade, sentem a mesma repulsa que os ébrios diante de um copo d`água. Mas ela, ao trazer as cestas com as oferendas usuais para serem provadas e repartidas, não bebia mais que um pequeno copo de vinho, temperado segundo seu paladar bastante sóbrio e condizente com sua dignidade. E se eram muitos os sepulcros que devia honrar desse modo, levava sempre o mesmo copo, usando-o para todos, de modo que o vinho não só estava muito aguado, mas até quente. Dividia-o em pequenos tragos com as pessoas presentes, porque buscava a piedade, e não o prazer.

Tão logo porém que soube que o ilustre pregador e mestre da verdade proibira tal costume - mesmo para os que o praticavam sobriamente, para não dar aos ébrios azo de se embriagarem, e porque essa espécie de parentales* era muito semelhante à superstição dos pagãos - ela se absteve de muito boa vontade. No lugar da cesta cheia de frutos da terra, aprendeu a levar ao túmulo dos mártires um coração cheio de puros desejos, dando o que podia aos pobres. Celebrava assim a comunhão com o corpo do Senhor, cuja paixão serviu de modelo aos mártires em seu sacrifício e coração.

Mas, parece-me, meu Senhor e meu Deus - e assim o crê meu coração em tua presença - que minha mãe não teria abdicado tão facilmente desse costume - que todavia era necessário cortar - se outro a quem não amasse tanto como o Ambrósio o tivesse proibio. De fato, ela o estimava muito por ter-me salvado, e ele a tinha em grande estima pela religiosidade e solicitude com que frequentava a igreja, na prática das boas obras. Por isso, muitas vezes quando me encontrava com ele, irrompia em louvores à minha mãe, e me felicitava por ser seu filho. Ignorava o filho que ela tinha em mim, filho que duvidava de tudo, e julgava impossível achar o caminho da vida.
(Por Aurelius Augustinus   *354   -430) Pág.120-121
*Parentales, festas pagãs que se celebravam de 13 a 21 de fevereiro, consagradas especialmente aos deuses lares.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

CATECÚMENO ( II ) LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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24/06/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO IV

Apliquei então todas as forças de meu espírito para ver se podia de algum modo, com argumentos decisivos, convencer de falsidade os maniqueus. A verdade é que se eu então tivesse podido conceber uma substância espiritual, imediatamente todas as invenções daqueles se esvaneceriam e seriam arrancadas de minha alma. Mas não podia. 

Contudo, refletindo e comparando sempre mais o que os filósofos haviam teorizado acerca do mundo material e de toda a natureza sensível, cada vez mais me capacitava de que eram muito mais prováveis as doutrinas destes que as dos maniqueus. Por isso, duvidando de tudo e flutuando por entre as doutrinas, a maneira dos acadêmicos, como os julga a opinião geral, resolvi abandonar aos maniqueus, julgando que enquanto estivesse em dúvida não devia permanecer em uma seita à qual eu já antepunha alguns filósofos. Recusava-me, contudo, terminantemente, a confiar-lhes a cura das enfermidades de minha alma, por ser-lhes desconhecido o nome salutar de Cristo.

Por isso tudo, resolvi tornar-me catecúmeno* na Igreja Católica, que me havia sido recomendada por meus pais, até que alguma claridade certa viesse dirigir meus passos.
(Por Aurelius Augustinus  *354   -430) Pág.117
* Aquele que será iniciado (em alguma coisa) - aparte do blogueiro

quinta-feira, 23 de junho de 2011

CATECÚMENO ( I ) LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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23/06/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO IV

Não cuidava eu de aprender o que dizia, interessado apenas em como dizia - era este gosto frívolo o único que ainda permanecia em mim, perdidas já as esperanças de que se abrisse para o homem o caminho para ti. Todavia infiltravam-se em meu espírito, juntamente com as palavras que me agradavam, as coisas que desprezava. Já não me era possível discernir umas das outras, e assim, ao abrir meu coração à sua eloquência, nele entrava ao mesmo tempo e aos poucos, a verdade.

Pareceu-me, de bom início, que seus ensinamentos podiam ser defendidos e que as afirmações da fé católica - que eu julgava impotente contra os ataques dos maniqueus - não eram absolutamente temerárias,  principalmente depois de me serem explicados uma, duas e mais vezes, as passagens obscuras do Velho Testamento que, interpretadas no sentido literal me davam a morte. Assim, interpretados no sentido espiritual muitos textos daqueles livros, comecei a repreender aquele meu desespero, que me levava a crer na impossibilidade de resistir aos que aborreciam e zombavam da lei e dos profetas.

Contudo, não me julgava na obrigação de seguir o caminho dos católicos, só porque também esta fé podia ter defensores doutos, capazes de refutar objeções com eloquência e lógica. Nem por isso me parecia que devia condenar a fé que antes abraçara, pois as armas de defesa eram iguais. Assim, se de um lado a fé católica não me parecia vencida, contudo ainda não me parecia vencedora.
(Por Aurelius Augustinus   *354  -430) Pág. 116

quarta-feira, 22 de junho de 2011

AGOSTINHO E OS ERROS DOS MANIQUEUS ( II ) - LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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22/06/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO X

Quanto a meu hóspede, não me furtei de admoestar sua excessiva credulidade com que aceitava as fábulas de que estavam cheios os livros dos maniqueus. Todavia, tinha mais amizade com tais homens do que com os estranhos à sua heresia. É verdade que já não a defendia com a antiga animosidade; mas sua familiaridade - em Roma havia muitos deles ocultos - tornava-me bastante negligente para procurar outra coisa. Desesperava eu principalmente de poder achar a verdade em tua Igreja, ó Senhor dos céus e da terra, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, verdade da qual eles me afastavam. Parecia-me mui torpe acreditar que tinhas figura de carne humana, que estavas limitado pelos contornos de um corpo como o nosso. E quando queria pensar em Deus, não sabia imaginar senão com massa corpórea - pois não me parecia que pudesse existir algo diferente - esta era a causa principal e quase única de meu erro inevitável.

Daqui se gerou também minha crença de que o mal tivesse substância, , também corpórea, massa negra e disforme, ora espessa - a que chamavam terra, - ora tênue e sutil, como o ar, a qual julgava ser um espírito malígno que investia sobre a terra. E visto que minha impiedade, por pouca que fosse me obrigava a pensar que um Deus bom não podia criar nenhuma natureza má, eu imaginava duas substâncias antagônicas, ambas infinitas, a do mal um pouco menor, a do bem um pouco maior; e deste princípio pestilencial originavam-se as demais blasfêmeas. Com efeito, quando meu espírito se esforçava por voltar à fé católica, era rechaçado porque minha ideia da fé católica, não era correta. E me parecia ser mais piedoso, ó Deus, a quem louvam em mim tuas misericórdias, julgar-te infinito por todas as partes, com exceção de um aspecto, a substância do mal, onde era forçoso reconhecer teus limites, do que julgar-te limitado por todas as partes pelas formas do corpo humano.

Também supunha que nosso Salvador, teu Filho Unigênito, houvesse surgido, para nos salvar, dessa substância luzidíssima de teu corpo. A seu respeito, nada aceitava senão o que me sugeria minha louca imaginação. E por isso julgava que tal natureza não podia nascer da Virgem Maria sem ajuntar com a carne, mas não via como poderia juntar-se à carne sem se corromper; por isso tinha medo de acreditar em sua encarnação, para não me ver obrigado a julgá-lo corrompido pela carne.

Sem dúvida agora teus fiéis irão sorrir, branda e amorosamente, se lerem essas minhas confissões; mas eu, realmente, era assim.
(Por Aurelius Augustinus  *354   -430) Pág. 112-113

terça-feira, 21 de junho de 2011

AGOSTINHO E OS ERROS DOS MANIQUEUS ( I ) - LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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21/06/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO X

Restabeleceste-me, pois, daquela doença, e então salvaste o filho de tua serva quanto ao corpo a fim de poder, mais tarde, salvá-lo melhor e mais firmemente. Em Roma juntei-me ainda com os que se diziam "santos", falsos e enganadores. E não só convivia com os ouvintes, entre os quais se contava o dono da casa em que eu adoecera e convalecera - mas também com os que se chamam "eleitos".

Ainda então me parecia que não éramos nós que pecávamos, mas não sei que estranha natureza que pecava em nós; por isso minha soberba se deleitava em me ter como isento de culpa, e portanto de todo se desobrigava a confessar meu pecado, quando agia mal, para que pudesse curar minha alma, que te ofendia*. Antes, gostava de me desculpar, acusando a não sei que ser estranho que estava em mim, mas que não era eu. Na verdade, eu era tudo aquilo, embora minha impiedade me tivesse dividido contra mim mesmo. E o mais incurável de meu pecado era justamente o não me considerar pecador, preferindo, minha execrável iniquidade, que fosses vencido em mim, para minha perdição, ó Deus onipotente, a que vencesses minha alma para minha salvação. Ainda não tinhas posto guarda diante de minha boca, nem porta de proteção ao redor de meus lábios, a fim de que meu coração não se inclinasse para as más palavras, nem buscasse desculpas para seus pecados, como os homens prevaricadores.**. Eis a razão pela qual eu ainda mantinha relações de amizade com os eleitos dos maniqueus. Mas, desesperado de poder progredir para a verdade dentro daquela falsa doutrina, contentava-me a seguí-la até encontrar algo melhor, professando-a já com mais liberdade e frouxidão.
(Por Aurelius Augustinus   *354   -430) Pág. 111-112
*Sl 117,1.
**Sl 140,3.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

VIAGEM A ROMA ( II ) LIVRO QUINTO - CONFISSÕES

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20/06/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULOVIII

Mas o verdadeiro motivo de eu sair de Cartago e ir para Roma só tu, ó Deus, o sabias, sem manifestá-lo a mim nem à minha mãe, que chorou amargamente minha partida, seguindo-me até o mar. Mas tive de enganá-la, porque me agarrava com força, instando-me a desistir de meu propósito ou levá-la comigo. Fingi pois que tinha de me despedir de um amigo que eu não queria abandonar, até que, soprando o vento, ele pudesse navegar. Assim enganei a minha mãe, e a uma tal mãe! Fugi, e tu também me perdoaste este pecado misericordiosamente, salvando-me a mim, cheio de execráveis imundícies, das águas do mar para que chegasse às águas de tua graça. Purificado com elas, secariam os rios dos olhos de minha mãe, com que todos os dias regava a terra diante de ti, por minha causa.


Contudo, como se recusasse a voltar sem mim, apenas pude persuadí-la a permanecer aquela noite em uma capela próxima a nosso navio, consagrada `a memória de São Cipriano. Mas naquela mesma noite parti às escondida, deixando-a a orar e a chorar. E que te pedia ela, meu Deus, com tantas lágrimas, senão que me impedisse de navegar? Mas tu, de visão infinitamente mais ampla entendendo o intuito de seu desejo, não atendeste ao que ela então te pedia, para fazer em mim aquilo que sempre te pedia.


Soprou o vento, enfunou nossas velas, e logo desvaneceu de nosso olhar a praia, onde de manhã cedo minha mãe, louca de dor, enchia de queixas e de prantos teus ouvidos insensíveis. Deixaste-me correr atrás de minhas paixões para dar fim às minhas concupiscências, castigando com o justo flagelo da dor a saudade demasiado carnal de minha mãe. Ela, como todas as mães, e ainda mais que a maioria delas, desejava manter-me junto de si, desconhecendo as grandes alegrias que lhe preparavas com minha ausência. Não o sabia, e por isso chorava e se lamentava, denunciando com esses lamentos a herança que recebera de Eva, buscando com lágrimas ao que com gemidos havia dado à luz.


Por fim, depois de ter-me chamado de mentiroso e de meu filho, pôs-se de novo a rezar por mim e voltou para sua vida habitual, enquanto eu me dirigia a Roma.
(Por Aurelius Augustinus   *354  -430) Pág. 108-109

domingo, 19 de junho de 2011

VIAGEM A ROMA ( I ) LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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19/06/2011 (Domingo)


CAPÍTULO VIII

Também foi obra tua o fato de me convencerem a ir a Roma, para ali lecionar o que ensinava em Cartago, mas não deixarei de confessar-te o motivo que me moveu, porque também nisso tudo se reconhece a profundidade de teu desígnio, e merece ser meditada e exaltada tua misericórdia sempre presente. O motivo que me levou a Roma não foram maiores lucros e maior dignidade, como me prometiam os amigos que tal me aconselhavam - se bem que essas razões ainda fossem importantes para mim nesse tempo - mas o principal e quase único motivo de minha determinação era saber que os jovens de Roma eram mais sossegados nas classes, em virtude da rigorosa disciplina a que estavam sujeitos. Não lhes era lícito entrar desordenada e impudentemente nas aulas dos professores dos quais não eram alunos, nem sequer eram admitidos sem licença; bem contrário do que acontecia em Cartago, onde a liberdade dos estudantes é vergonhosa e destemperada que invadem cínica e furiosamente as aulas, perturbando a ordem estabelecida pelos mestres em seu próprio interesse. Além disso, com incrível insolência cometem uma quantidade de grosserias, que deveriam ser castigadas pelas leis, se a tradição não os protegesse. Tal costume aliás, apenas manifesta a infelicidade no caso desses jovens, que já praticam como lícito o que jamais será permitido por tua lei eterna. Julgam agir impunemente, quando a própria cegueira é seu maior castigo, padecendo eles males incomparavelmente maiores do que os que causam aos outros.

Com isso vi-me obrigado, quando professor, a suportar nos outros costumes que não quis adotar como meus quando estudante; e por isso desejava ir para uma cidade na qual, segundo me asseguravam, não aconteciam tais coisas. E tu Senhor, minha esperança e meu quinhão na terra dos vivos*, a fim de que eu mudasse de residência para a saúde de minha alma, me punhas espinhos em Cartago, para arrancar-me de ali, e deleites em Roma para atrair-me para lá. Atraías-me por meio de homens que amavam uma vida morta, dos quais uns agiam aqui como loucos, e outros me aliciavam alhures com bens ilusórios. E, para corrigir meus passos, usavas ocultamente da sua e da minha perversidade. Porque os que perturbavam minha paz estavam cegos por uma raiva vergonhosa, e os que me convidavam para mudar sabiam a terra; e eu, que detestava em Cartago uma verdadeira miséria, buscava em Roma uma falsa felicidade.
(Por Aurelius Augustinus   *354   -430) Pág. 107-108
*Sl 141,6.

sábado, 18 de junho de 2011

A ELOQUÊNCIA DE FAUSTO ( II ) LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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18/06/2011 (Sábado)


CAPÍTULO VI

A ânsia com a qual por tanto tempo esperara por Fausto, deleitava-se enfim com ardor e vivacidade de suas disputas, com os termos apropriados e a facilidade com que lhe vinham à boca para adornar seu pensamento.  Deleitava-me, certamente, e eu o louvava e exaltava com os outros, e muito mais ainda do que eles.

Contudo, na reunião dos ouvintes, me aborrecia não poder apresentar-lhe minhas dúvidas, e dividir com ele os cuidados de meus problemas, conferindo com ele minhas dificuldades em forma de perguntas e respostas. Quando, enfim, o pude fazer, acompanhado de meus amigos, comecei a falar-lhe em ocasião e lugar oportunos para tais discussões, apresentando-lhe algumas objeções das que mais me preocupavam. Vi então que se tratava de homem completamente ignorante das artes liberais, com exceção da gramática, que conhecia de modo superficial. Contudo, como havia lido alguns discursos de Cícero, e pouquíssimos livros de Sêneca, alguns poemas e livros da seita, escritos em bom latim e com arte, e como se exercitava todos os dias em falar, adquiria grande facilidade de expressão, que ele tornava mais agradável e sedutora com o bom emprego de seu talento e certa graça natural.

Não é assim como estou contando, meu Senhor e meu Deus, juiz de minha consciência? Diante de ti estão meu coração e minha memória, e que já então guiava no segredo oculto de tua providência, pondo diante de meus olhos* meus erros vergonhosos, para que os visse e odiasse.
Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág.105-106
* Sl 49,21.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A ELOQUÊNCIA DE FAUSTO

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17/06/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO VI

Durante os quase nove anos em que meu espírito errante deu ouvidos aos maniqueus, esperei ansiosamente a vinda de Fausto. Os demais adeptos, com os quais me encontrava casualmente, embaraçados com as objeções que eu lhes fazia, remetiam-me a ele que, à sua chegada, com uma simples entrevista resolveria facilmente todas aquelas dificuldades, e ainda outras maiores que me ocorressem, de maneira claríssima.

Logo que chegou, pude notar que se tratava de um homem simpático, de fala cativante, e que expunha os temas comuns dos maniqueus, mas com muito mais agrado que eles. Mas, que interessava à minha sede este elegante copeiro de copos preciosos? Eu já tinha os ouvidos fartos daquelas teorias, e nem me pareciam melhores por serem exposta em melhor estilo, nem eu considerava Fausto mais sábio por ter o rosto de mais graça e sua linguagem mais finura. Aqueles que mo haviam recomendado não eram bons juízes: tinham Fausto como homem sábio e prudente somente porque lhes agradava sua facúndia. Diferentes de outra espécie de homem que conheci, que tinham como suspeita a verdade, e não se lhe renderiam se lhes fosse apresentada com linguagem elegante e verbosa.

Mas eu, meu Deus, nessa época já tinha aprendido de ti, por caminhos ocultos e admiráveis - e creio que eras tu que me ensinavas, porque era verdade, e ninguém pode ser mestre da verdade senão tu, seja qual for a instância e modo dela brilhar - já havia aprendido de ti que não se deve ter por verdadeiro um pensamento porque expresso eloquentemente, nem falso, porque é dito com rudeza; e que, pelo contrário, um pensamento não é verdadeiro por ser enunciado com simplicidade, nem falso porque sua expressão é elegante; A sabedoria e a ignorância são como alimentos, proveitosos ou nocivos, e as palavras, elegantes ou rudes, como pratos preciosos ou toscos, nos quais se podem servir a ambos.
(Por Aurelios Augustinos  *354   -430) Pág.104-105

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CIÊNCIA E IGNORÂNCIA - LIVRO QUINTO DE CONFISSÕES

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16/06/2011 (Quinta-feira)

CAPÍTULO IV


Senhor, Deus de verdade, acaso te agradará quem conhecer essas coisas? Infeliz do homem que, conhecendo-as todas, te ignora a ti; mas feliz de quem te conhece, embora ignore! Quanto ao que conhece a ti e a elas, este não é mais bem-aventurdo por causa de seu saber, mas só é feliz por ti, se, conhecendo-te, te glorifica como Deus, e te dá graças, e não se desvanece em seus pensamentos.

É melhor aquele que reconhece estar na posse de uma árvore e te dá graças, por sua utilidade, embora ignore quantos côvados tem de altura e de largura, que o que a mede, e conta todos os seus ramos, mas não a possui, nem conhece, nem ama a seu Criador. Assim o homem fiel, a quem pertencem todas as riquezas do mundo, e que, nada possuindo, possui tudo, por estar unido a ti, a quem servem todas as coisas - embora desconheça até o curso das estrelas da Ursa - e seria insensatez duvidar - é certamente melhor do que o que mede os céus, conta as estrelas e pesa os elementos, mas despreza a ti, que dispuseste todas as coisas em número, peso e medida*. 
(Por Aurelius Augustinus  *354   -430) Pág. 102-103
* Sab 11,21.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

OS QUE FOGEM DE DEUS - LIVRO QUINTO

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15/06/2011 (Quarta-feira)




CAPÍTULO II

Afastem-se e fujam os irrequietos e os pecadores. Tu os vês, e distingues suas sombras. E eis que, apesar deles, todas as coisas continuam belas; somente eles são feios. E que danos te poderiam causar? Ou em que poderiam desonrar teu império, justo e íntegro desde os céus até as coisas mais íntimas? E para onde fugiram, ao fugir de tua presença? E em que lugar não os encontrarás? Fugiram, sim, para não ver-te a ti, que os estás vendo, mas deparam contigo, que não abandonas nada do que criaste; tropeçaram contigo, injustos, e justamente são castigados; subtraindo-se à tua brandura, ofenderam tua santidade, e caíram sob teus rigores. Evidentemente eles ignoram que estás em toda parte, que nenhum lugar te limita, e que só tu estás presente mesmo nos que se afastam de ti.

Que se convertam, pois, e te busquem, porque não abandonas tua criatura, como elas abandonaram a seu Criador. Que se convertam, e logo estarás em seus corações, nos corações dos que te confessam, dos que se lançam em ti, dos que choram em teu regaço depois de percorrerem penosos caminhos. E tu, bondoso, enxugarás suas lágrimas; e chorarão ainda mais, mas serão felizes por chorar porque és tu Senhor, e nenhum homem de carne e sangue, tu, Senhor, que os criaste, que os consolas e robusteces.

E onde estava eu quando te buscava? Certamente, estavas diante de mim, mas eu me havia afastado de mim mesmo, e não me encontrava, e muito menos a ti!
(Por Aurelius Augustinus   *354   -430) Pág.99-100

terça-feira, 14 de junho de 2011

AS DEZ CATEGORIAS DE ARISTÓTELES ( III ) LIVRO QUARTO

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14/06/2011 (Terça-feira)



CAPÍTULO XVI

De que me serviam dons tão preciosos, se não usava bem deles? Só compreendi que aquelas artes eram tão difíceis de entender, mesmo para os estudiosos e sábios, quando me esforçava para expô-las: entre eles, o mais destacado era o que me compreendia menos vagarosamente.

Mas qual o fruto disso, se eu te concebia, Senhor meu Deus, ó Verdade, como um corpo luminoso e infinito, e eu como uma parcela desse corpo? Que rematada perversidade! Assim era eu; não me envergonho agora, meu Deus, de confessar tuas misericórdias para comigo, e de te invocar, já que não me envergonhei então de proferir ante os homens tais blasfêmias e de ladrar contra ti. De que me aproveitava, repito, a inteligência ágil para entender aquelas ciências, e para explicar com clareza tantos livros complicados, sem que ninguém mos houvesse explicado, se errava monstruosamente na piedade com sacrílega torpeza? E que prejuízo sofriam teus pequeninos em serem de menor inteligência, se não se afastavam de ti, para que, seguros no ninho de tua Igreja, se cobrissem de penas, e lhes alimentassem as asas da caridade com o sadio alimento da fé? 

Ó Deus e Senhor nosso! Esperemos, ao abrigo de tuas asas; protege-nos, leva-nos!* Tu levarás os pequeninos, e até encanecidos tu nos levarás**; nossa firmeza só é firmeza quando está em ti; mas quando depende de nós, então é debilidade. Nosso bem vive sempre em ti, e somos perversos porque nos afastamos de ti. Voltemos já, Senhor, para não nos aniquilarmos, porque em ti vive nosso bem, sem deficiência alguma; sem medo de não o encontrar quando voltarmos para nossa origem e, embora ausentes, nem por isso desaba nossa casa, tua eternidade.
(Por Aurelius Agustinus  *354  -430) Pág. 97-98
* SL 62,8.
**Is 46,4.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

AS DEZ CATEGORIAS DE ARISTÓTELES - ( II ) - LIVRO QUARTO

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13/06/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO XVI

Era pois falso o que pensava de ti, e não verdade; ilusões de minha miséria, e não representação sólida de tua beleza. Havias ordenado, Senhor, e assim se cumpria em mim tua vontade, que a terra me produzisse abrolhos e espinhos, e que eu só conseguisse meu pão à custa de trabalho.

De que me aproveitava também ler e compreender por mim mesmo todos os livros que pudesse ter nas mãos sobre as artes chamadas liberais, se eu era então escravo de minhas más inclinações? Comprazia-me em sua leitura, sem atinar de onde vinha quanto de verdadeiro e certo achava neles; eu estava de costas para a luz, e o rosto, para os objetos iluminados, e por isso meus olhos, que os viam iluminados, não recebiam luz.

Tu sabes, Senhor, meu Deus, como sem ajuda de mestre, aprendi tudo o que li, quanto às leis da retórica, da dialética, da geometria, da música e da matemática, porque também a vivacidade da inteligência e a agudeza da intuição são dons teus. Mas não te oferecia por eles sacrifício algum, e por isso causavam-me mais dano do que proveito. Insisti em me apoderar da melhor parte de minha herança, e não guardei em ti minha força, mas afastei-me de ti para uma região longínqua, a fim de dissipá-la entre as meretrizes de minhas paixões.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág. 97

domingo, 12 de junho de 2011

AS DEZ CATEGORIAS DE ARISTÓTELES - ( I ) - LIVRO QUARTO

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12/06/2011


CAPÍTULO XVI

E que lucro me trazia, tendo eu vinte anos de idade, mais ou menos, e chegando-me às mãos a obra de Aristóteles, intitulada As Dez Categoria - que meu mestre, o retórico de Cartago, e outros, considerados doutos, citavam com grande ênfase e ponderação, fazendo-me suspirar por ela como por algo grandioso e divino - de que me servia ler essa obra e compreendê-la só por meio de mestres eruditíssimos, que lha haviam explicado não apenas com palavras, mas também com figuras pintadas na areia, nada me souberam dizer que eu já não tivesse entendido em minha leitura particular.

Parecia-me que essa obra falava com muita clareza das substâncias,  como o homem, e das coisas que nelas se encerram, como a forma do homem; a estatura, quantos pés mede; o parentesco, de quem é irmão; onde se encontra, quando nasceu; se está de pé, sentado, calçado ou armado; se faz alguma coisa ou se padece alguma coisa, e, enfim, uma infinidade de relações que se contêm nestes nove gêneros, dos quais citei alguns exemplos, ou no própio gênero da substância, que são também inumeráveis os que encerra.

De que me aproveitava tudo isso, se até me prejudicava? Julgando que naqueles dez predicamentos se achavam compreendidas, de modo absoluto, toda as coisas, esforçava-me por compreender-te também a ti, meu Deus, ser maravilhosamente simples e imutável, como se fosse subordinado à tua grandeza e formosura, como se estas estivessem em ti como em seu sujeito, como se fosses um corpo; tua grandeza e beleza são porém uma mesma coisa contigo, ao contrário dos corpos, pois, embora fossem menores e menos belos, nem por isso deixariam de ser corpos.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág.96-97

sábado, 11 de junho de 2011

O PROBLEMA DO BELO - LIVRO QUARTO

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11/06/2011 (Sábado)

O PROBLEMA DO BELO
CAPÍTULO XIII


Então eu ignorava tais coisas, - e por isso amava a beleza terrena. Caminhava para o abismo, dizendo a meus amigos: "Será que amamos algo que não é belo? E que é belo? E o que é a beleza? Que é que nos atrai e apega às coisas que amamos? Pois, com certeza, se nelas não houvesse certas graça e formosura, não nos atrairiam."

E eu observava e via que num mesmo corpo uma coisa era o todo, harmonioso e belo, e outra o que lhe era conveniente, sua aptidão de se ajustar de maneira perfeita a alguma coisa como, por exemplo, a parte do corpo em relação ao conjunto, o calçado em relação ao pé, e outras similares. Esta consideração brotou em minha alma do íntimo de meu coração, e escrevi alguns livros sobre o belo e o conveniente*, creio que dois ou três - tu o sabes, Senhor - pois já me esqueci, e não os tenho mais porque se me extraviaram não sei como.
*De pulchro et apto, primeira obra de Santo Agostinho, da qual não se encontram exemplares.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág. 92

sexta-feira, 10 de junho de 2011

AS MENTIRAS DA BELEZA - LIVRO QUARTO

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10/06/2011 (Sexta-feira)






AS MENTIRAS DA BELEZA

Ó Deus das virtudes! Converte-nos e mostra-nos tua face, e seremos salvos!* Porque, para onde quer que se volte a alma humana, onde quer que se estabeleça fora de ti, sempre encontrará dor, mesmo que sejam as belezas que estão fora de ti, e fora de si mesma; e todavia, estas nada seriam se não existissem em ti. Elas nascem e morrem; e, nascendo, começam a existir, e crescem para alcançar a perfeição e, uma vez perfeitas, começam a envelhecer e morrem. Embora nem tudo envelheça, tudo perece. Logo, quando os seres nascem e se esforçam por existir, quanto mais depressa crescem para existir, tanto mais se apressam para deixar de existir. Esta é sua condição. Eis tudo o que lhes deste, porque são partes de coisas que não existem simultaneamente mas, morrendo e sucedendo-se umas às outras, formam o conjunto de que são partes.

Assim forma-se também nosso discurso, por meio dos sinais sonoros; este nunca se realizaria se uma palavra não se extingui-se, depois de pronunciadas suas sílabas, para dar lugar à seguinte. 

Que minha alma te louve por tudo isso, ó Deus, criador de todas as coisas; mas não se pegue a elas com o visco do amor dos sentidos, pois também elas caminham para o não-ser, e dilaceram a alma com desejos pestilenciais, e ela quer existir e gosta de descansar nas coisas que ama. Mas nelas não acha onde, porque as coisas não são estáveis. Elas são fugazes, e quem poderá seguí-las com os sentidos da carne? Ou quem as pode alcançar, mesmo estando presente? Lento é o sentido da carne, por ser da carne, mas essa é a sua condição. É suficiente para o que foi criado, mas não o é para reter o curso das coisas, do princípio que lhes foi fixado, até o fim que lhes foi designado, porque em teu Verbo, que as criou, ouvem estas palavras: "Daqui até ali".
* SL 79,4.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág. 88-89

quinta-feira, 9 de junho de 2011

DOS DEZENOVE AOS VINTE E OITO ANOS - LIVRO QUARTO

CAPÍTULO I

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09/06/2011 (Quinta-feira)

Durante esse período de nove anos - dos dezenove até os vinte e oito - fui seduzido e sedutor, enganado e enganador, conforme minhas muitas paixões; publicamente, com aquelas doutrinas que se chamam liberais; ocultamente, com o falso nome de religião, mostrando-me aqui soberbo, ali supersticioso, e em toda parte vaidoso. Ora perseguindo a aura da glória popular até os aplausos do teatro, os certames poéticos, os torneios de coroas de feno, as bagatelas de espetáculos e a intemperança da luxúria; ora, desejando muito purificar-me dessas imundícies, levando alimento aos chamados "eleitos" e "santos", para que na oficina de seu estômago fabricassem anjos e deuses que me libertassem. Tais coisas seguia eu e praticava com meus amigos, iludidos comigo e por mim. 


Riam-se de mim os arrogantes, e os que ainda não foram prostrados e salutarmente esmagados por ti, meu Deus; mas eu, pelo contrário, hei de confessar diante de ti minhas torpezas para teu louvor. Permite-me, te suplico, e concede-me que me lembre fielmente dos desvios passados de meu erro, e que eu te sacrifique uma vítima de louvor*.


De fato, sem ti, que sou eu para mim mesmo senão um guia que conduz ao abismo? Ou que sou eu, quando tudo me corre bem, senão uma criança que suga teu leite, e que se alimenta de ti, alimento incorruptível? E que é o homem, seja ele quem for, se é homem?


Riam-se de nós os fortes e poderosos, que nós, débeis e pobres, confessaremos o teu santo nome.
*Sl 26,6.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág. 79.
  
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quarta-feira, 8 de junho de 2011

SONHO DE MÔNICA ( II ) LIVRO TERCEIRO

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08/06/2011 (Quarta-feira)


De onde veio este sonho, senão dos ouvidos que tinhas atentos a seu coração, ó Deus bom e onipresente, que cuidas de cada um de nós como se não tivesses outro para cuidar, zelando de todos como de cada um!

E como explicar o que se segue? Contou-me minha mãe esta visão, e querendo-a eu persuadir que significava o contrário, e que não devia desesperar de ser algum dia o que eu era, isto é, maniqueísta, ela, sem nenhuma hesitação, me respondeu: "Não; não me foi dito: onde ele está ali estarás tu, mas onde tu estás ali estará ele também"


Confesso, Senhor, e muitas vezes disse que, pelo que me recordo, me abalou mais esta tua resposta pela solicitude de minha mãe, imperturbável diante de explicação falsa e ardilosa, e por ter visto o  que se devia ver - e que eu certamente não veria sem que ela o dissesse - que o mesmo sonho com o qual anunciaste a esta piedosa mulher com tanta antecedência, a fim de consolá-la em sua aflição presente, uma alegria que só havia de se realizar muito tempo depois.

Seguiram-se, efetivamente, quase nove anos, durante os quais continuei a me resolver naquele abismo de lodo e trevas de erro, afundando-me tanto mais quanto mais esforços fazia para me libertar. Entretanto, aquela piedosa viúva, casta e sóbria como as que tu amas, já um pouco mais alegre com a esperança, porém, não menos solícita em suas lágrimas e gemidos, não cessava de chorar por mim em em tua presença em todas as horas de suas orações; e suas preces eram aceitas a teus olhos, mas deixavas-me ainda resolver-me e envolver-me naquela escuridão.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág. 77

segunda-feira, 6 de junho de 2011

0 SONHO DE MÔNICA ( I ) LIVRO TERCEIRO

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06.06.2011 (Segunda-feira)


Mas estendeste tua mão do alto, e arrancaste minha alma deste abismo de trevas, enquanto minha mãe, tua fiel serva, chorava-me diante de ti muito mais do que as outras mães costumavam chorar sobre o cadáver dos filhos, pois via a morte da minha alma com a fé e o espírito que havia recebido de ti. E tu a escutastes, Senhor, tu a ouviste e não desprezaste suas lágrimas que, brotando copiosas, regavam o solo debaixo de seus olhos por onde fazia sua oração; sim tu a escutate, Senhor. Com efeito, donde podia vir aquele sonho, com que a consolaste, ao ponto de me admitir em sua companhia e mesa, fato que havia me negado porque aborrecia e detestava as blasfemeas de meu erro?

Nesse sonho viu-se de pé sobre uma régua de madeira; e um jovem resplandecente, alegre e risonho que vinha ao seu encontro, triste e amarga. Este lhe perguntou a causa de sua tristeza e lágrimas diárias, não por curiosidade, como sói acontecer, mas para instruí-la; e respondendo-lhe ela que chorava a minha perdição, mandou-lhe, para sua tranquilidade, que prestasse atenção e visse que onde ela estava também estaria eu. Apenas olhou, viu-me junto de si, de pé sobre a mesma régua.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) Pág.76

sábado, 4 de junho de 2011

MORAL E COSTUMES ( II ) LIVRO TERCEIRO

Lírio Verde
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04/05/2011 (Sábado)

O mesmo se deve dizer dos crimes perpetrados com desejo de causar mal, quer por agressão, quer por injúria; e ambas as coisas, ou por desejo de vingança, como ocorre entre inimigos, ou por alcançar algum bem sem trabalhar, como o ladrão que rouba ao viajante; ou para evitar algum mal, como acontece com o que teme; ou por inveja, como quando um miserável quer mal ao que é mais feliz, ou ao que conseguiu riquezas, temendo ser igualado ou que já lhe sejam iguais; ou unicamente pelo prazer de ver o mal alheio,  como acontece com o espectador dos combates dos gladiadores, ou com o que se ri e zomba dos outros.

Tais são os princípios ou fontes de iniquidade, que nascem da paixão de mandar, de ver ou de sentir, quer de uma só dessas paixões, ou de duas, ou de todas juntas. Razão por que se vive no mal, ó Deus altíssimo e dulcíssimo, contra o saltério de dez cordas, teu decálogo.

Mas, que pecado pode atingir a ti, que não és atingido pela corrupção? Ou que crimes podem ser cometidos contra ti, a quem ninguém pode causar danos? O que vingas são os crimes que os homens cometem contra ti, porque, mesmo quando pecam contra ti, agem impiamente contra suas próprias almas, e sua iniquidade engana-se a si própria, quer corrompendo e pervertendo sua natureza - feita e ordenada por ti - quer usando imoderadamente das coisas permitidas, ou até desejando imoderadamente as não permitidas, pelo uso daquilo que é contra a natureza?

Pecam também os que com o pensamento e a palavra se revoltam contra ti, dando coices contra o aguilhão; ou quando, uma vez quebrados os limites da sociedade humana, alegram-se audaciosamente com as facções ou desuniões, de acordo com suas simpatias ou antipatias. E tudo isso o homem faz quando és abandonado, fonte de vida, único e verdadeiro criador e senhor do universo, e com orgulho egoísta ama-se uma parte do todo como se fosse o todo.

Essa a razão pela qual só se pode voltar para ti com piedade humilde, para assim nos purificares nossos maus cotumes; pela piedade te mostras propícios com os pecados dos que te confessam, e ouves os gemidos dos cativos, e nos livras dos grilhões que nós mesmos forjamos, contanto que não ergamos contra ti os chifres de uma falsa liberdade, quer arrastados pela cobiça de mais haveres, quer pelo temor de perder tudo, preferindo nosso próprio egoísmo a ti, Bem de todos.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) pág. 74



sexta-feira, 3 de junho de 2011

MORAL E COSTUMES ( I ) LIVRO TERCEIRO

Lírio Verde

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03/06/2011 (Sexta-feira)

(Capítulo VII)

Acaso será em alguma parte e momento injusto amar a Deus de todo coração, com toda a alma e com todo o entendimento, e amar ao próximo como a nós mesmos? Por isso, todos os pecados contra a natureza, como o foram os dos sodomitas, hão de ser detestados e castigados sempre e em toda parte, pois, mesmo que todos os cometessem, não seriam menos réus de crime diante da lei divina, que não fez os homens para usar tão torpemente de si; de fato viola-se a união que deve existir com Deus quando a natureza, da qual ele é autor, se mancha com a depravação das paixões.

Com relação aos pecados que são contra os costumes humanos, também hão de ser evitados de acordo com a diversidade dos costumes, a fim de que o pacto mútuo entre povos e nações, firmado pelo costume ou pela lei, não seja quebrado por nenhum capricho de cidadão ou forasteiro, porque é indecorosa a parte que não se acomoda ao todo.

Todavia, quando Deus ordena algo contra tais costumes ou pactos, sejam quais forem, deve ser obedecido, embora o que mande nunca tenha sido feito; e se não foi cumprido, deve ser restaurado, e se não estava estabelecido, deve-se estabelecer. Se é lícito a um rei mandar na cidade que governa coisas que ninguém antes dele e nem ele próprio havia mandado, e se não é contra o bem da sociedade obedecê-lo, antes o seria o não obedecê-lo - por ser pacto básico de toda sociedade humana obedecer a seus reis - quanto mais deveria ser Deus obedecido sem titubeios em tudo que mandar, como rei do universo? Porque, assim como entre os poderes humanos o maior poder se antepõe ao menor, para que este lhe preste obediência, assim Deus antepõe-se a todos.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) pág. 73




quarta-feira, 1 de junho de 2011

CEGUEIRA DO PAI, CUIDADOS DA MÃE (II)

Lírio Verde

Criar seu atalho

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01/05/2011 (Quarta-feira)

Capítulo III

Mas, nessa época, já tinhas começado a levantar, no coração de minha mãe, teu templo e os alicerces de tua santa morada; meu pai não era mais que catecúmeno, recente ainda. Por isso minha mãe perturbou-se com santo temor. Embora eu ainda não fosse batizado, temia que eu seguisse as sendas tortuosas por onde andam os que te voltam as costas, e não o rosto.

Ai de mim! Como me atrevo a dizer que te calavas quando me afastava de ti? Seria verdade que então te calavas comigo? E de quem eram, senão tuas, aquelas palavras que pela boca de minha mãe, tua serva fiel, sussurraste em meus ouvidos, embora nenhuma delas penetrasse em meu coração, para que a cumprisse?

Lembro que um dia me admoestou em segredo, com grande solicitude, que me abstivesse da luxúria e, sobretudo, que não cometesse adultério com a mulher de ninguém. Porém, esses conselhos pareciam-me próprios de mulheres, e eu me envergonharia de segui-los. Mas, na realidade, eram teus, embora eu não o soubesse, e por isso julgava que te calavas, e que era ela quem me falava; e eu te desprezava em tua serva, eu, seu filho, filho de tua serva e servo teu, a ti que não cessavas de me falar pela sua boca.

Mas eu não o sabia, e me precipitava com tanta cegueira, que me envergonhava entre os companheiros de minha idade, de ser menos torpe do que eles. Os ouvia jactar-se de suas maldades, e gloriar-se tanto mais quanto mais infames eram; assim eu gostava de fazer o mal não só pelo prazer, mas ainda por vaidade. O que há de mais digno de vitupério do que o vício? E, contudo, para não ser escarnecido, tornava-me mais viciado e, quando não houvesse cometido pecado que me igualasse aos mais perdidos, fingia ter feito o que não cometera, para que não parecesse mais abjeto quanto mais inocente, e tanto mais vil quanto mais casto.

Eis com que companheiros andava eu pelas praças de Babilônia, revolvendo-me na lama, como em cinamomo e unguentos preciosos. E, para que esse lodo se me pegasse bem firme, subjulgava-me o inimigo invisível, e me seduzia, por ser eu presa fácil da sedução.

Nem então minha mãe carnal, que já fugira do meio de Babilônia, mas que em outras coisas caminhava mais devagar, cuidou - como fizera ao aconselhar-me a castidade - de conter com os laços do matrimônio aquilo de que seu marido lhe falara a meu respeito. Já percebera ela que me era pestilencial, e que mais adiante me seria perigoso - já que essa paixão não podia ser cortada pela raiz. Não pensou nisso, digo, por temer que o vínculo matrimonial frustrasse a esperança que sobre mim acalentava; não a esperança da vida futura, que ela já tinha posto em ti, mas a esperança das letras que ambos, meu pai e minha mãe, desejavam ardentemente: meu pai, porque não pensava quase nada de ti, mas apenas ambições vãs a meu respeito; minha mãe, porque considerava que tais tradicionais estudos das letras não só não me seriam de estorvo, senão de não pouca ajuda para chegar a ti. Assim julgo eu, agora, enquanto me é possível pela lembrança, o caráter de meus pais.

Por isso, soltavam-me as rédeas para o jogo mais do que o permite uma moderada severidade, deixando-me cair na dissolução de várias paixões; e de todas surgia uma obscuridade que me toldava, ó meu Deus, a luz de tua verdade; e, por assim dizer, de meu corpo, brotava minha iniquidade.
(Por Aurelius Augustinus  *354  -430) pág. 54-55.

EU VIM AQUI PARA TE DIZER QUE

TE AMO, IRMÃO; TE AMO IRMÀ
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