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GALÁXIA, ALFA, Brazil
Simples como a brisa, complexo como nós. Nascido em 25/5/1925.

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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

QUEM É DEUS? ( III ) - LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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31/08/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO VI

Interroguei a imensidão do universo acerca de meu Deus, e ele me respondeu: "Não sou eu, mas foi ele quem me criou".

Mas essa beleza não se manifesta a quantos têm sentidos perfeitos? E porque não fala a todos a mesma linguagem?

Os animais, pequenos ou grandes, a veem; mas não podem interrogá-la, porque não receberam a razão que, como juíz, interprete as mensagens dos sentidos. Os homens, porém, podem interrogá-la, pra que as perfeições invisíveis de Deus se manifestem pelas suas obras. Mas o amor às coisas criadas os escraviza, e assim os torna incapazes de julgá-las. Ora, elas só respondem aos que podem julgar-lhes as respostas. Elas não mudam sua linguagem, isto é, sua beleza, quando um só as vê, e outro as interroga; elas não lhes aparecem diferentes mas, para uns ficam mudas, enquanto falam a outros. Ou melhor: elas falam a todos, mas apenas as entendem os que comparam sua expressão exterior com a verdade interior. De fato a verdade me diz: Teu Deus não é nem o céu, nem a terra, nem corpo algum. A natureza das coisas o diz para quem sabe ver; a matéria é menor em seus elementos que em seu todo. Por isso, minha alma, digo-te que és superior ao corpo, pois vivificas sua matéria, dando-lhe vida, como nenhum corpo pode dar a outro corpo. Mas teu Deus é também para ti a vida de tua vida.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 217.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

QUEM É DEUS? ( II ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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30/08/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO VI

Então, o que é Deus? Perguntei à terra, e ela me disse: "Eu não  sou Deus". E tudo o que nela existe me respondeu o mesmo. Perguntei ao mar, ao abismo e aos répteis viventes, e eles me responderam: "Nao somos teu Deus; busca-o acima de nós." Perguntei aos ventos que sopram; e todo o ar, com seus habitantes, me disse: "Anaximenes está enganado* eu não sou Deus". Perguntei ao céu, ao sol, à lua e às estrelas. "Tampouco somos o Deus a quem procuras" -  me responderam.

Disse então a todas as coisas que meu corpo percebe: "Dizei-me algo de meu Deus, já que não sois Deus; dizei-me alguma coisa dele." -  E todas exclamaram em coro: "Ele nos criou".  -  Minha pergunta era meu olhar, e sua resposta a sua beleza.

Dirigi-me, então, a mim mesmo, e perguntei: "E tu, quem és"?  -  E respondi: "Um homem". Para me servirem, tenho um corpo e uma alma: aquele exterior, está interior. Por qual deles deverei perguntar pelo meu Deus, a quem eu já havia procurado com o corpo desde a terra até o céu, até onde pude enviar os raios de meu olhar como mensageiros? Melhor, sem dúvida, é a parte interior de mim mesmo. É a ela que dirigem suas respostas todos os mensageiros de meu corpo, como a um presidente ou juiz, respostas do céu, da terra, e de tudo o que existe, e que proclamam: "Não somos Deus" -  e ainda  -  "Ele nos criou". O homem interior conhece essas coisas por meio do homem exterior; mas o homem interior, que é a alma, também conhece essas coisas por meio dos sentidos do corpo.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 216-217.
* Anaxímenes, filósofo do século VI a.C. (588-524), ensinava que o ar é o princípio de todas as coisas, e que dele n asciam até os deuses.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

QUEM É DEUS? ( I ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES


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29/08/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO VI

O que sei, Senhor, sem sombra de dúvida, é que te amo. Feriste meu coração com tua palavra, e eu te amei. O céu, a terra e tudo quanto nele existe, de todas as partes me dizem que te ame; nem cessam de repetí-lo a todos os homens, para que não tenham desculpas¹. Terás compaixão mais profunda de quem já te compadeceste, e usarás de misericórdia com quem já foste misericordioso. De outro modo, o céu e a terra cantariam teus louvores a surdos.

Mas, que amo eu, quando te amo? Não amo a beleza do corpo, nem o esplendor fugaz, nem a claridade da luz, tão cara a estes meus olhos, nem as doces melodias das mais diversas canções, nem a fragrância de flores, de unguentos e de aromas, nem o maná, nem o mel, nem os membros tão afeitos aos amplexos da carne. Nada disto amo quando amo o meu Deus. E, contudo, amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento, um abraço, quando amo o meu Deus, que é luz, voz, fragrância, alimento e abraço de meu homem interior, onde brilha para minha alma uma luz sem limites, onde ressoam melodias que o tempo não arrebata, onde exalam perfumes que o vento não dissipa, onde se provam iguarias que o apetite não diminui, onde se sentem abraços que a saciedade não desfaz. Eis o que amo quando amo a meu Deus!

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.215-216.
¹ Rom 1,20.

domingo, 28 de agosto de 2011

A IGNORÂNCIA DO HOMEM LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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28/08/2011 (Domingo)


CAPÍTULO V

És tu, Senhor, quem me julga, porque ninguém conhece o que se passa no homem, a não ser o seu espírito que nele está¹; todavia há no homem coisas que até o espírito que nele habita ignora. Mas tu, Senhor, que o criaste, conheces todas as suas coisas. E eu, embora diante de ti me despreze e me considere como terra e cinza, sei algo de ti que ignoro em mim mesmo. É certo que agora vemos por espelho, em enigmas, e não face a face². Por isso, quando peregrino longe de ti, estou mais presente a mim do que a ti. Sei que em nada podes ser prejudicado, mas ignoro a que tentações posso resistir e a quais não posso. Todavia há esperança, pois és fiel, e não permites que sejamos tentados além de nossas forças; com a tentação, dás também meios para a suportar³, para que possamos resistir. 

Confessarei, portanto, o que sei de mim, e também o que de mim ignoro, porque o que sei de mim só o sei porque me iluminas, e o que de mim ignoro continuarei ignorando até que minhas trevas se transformem em meio-dia, em tua presença.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 215
¹ até ³  1 Cor 4,3.
⁴ Is 58,10.

sábado, 27 de agosto de 2011

O FRUTO DAS CONFISSÕES ( II ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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27/08/2011 (Sábado)


CAPÍTULO III

Este poderá ser o fruto de minhas confissões, não do que fui, mas do que sou. Farei minha confissão não apenas a ti, com íntima alegria mesclada de temor, e com secreta tristeza mesclada de esperança, mas também para os homens, que compartilham de minha alegria e de minha mortalidade, meus concidadãos e peregrinos como eu, quer os que me precederam, como os que me seguem ou me acompanham no caminho da vida. Estes são teus servos, meus irmãos, que tu quiseste fossem filhos teus e meus senhores, e a quem me mandaste servir se quisesse viver contigo e de ti.

Mas este preceito teria sido de pouco valor para mim, se teu Verbo o tivesse proferido apenas com palavras, e não tivesse mostrado o caminho com a obra. Eis que eu o imito pela ação e pela palavra, e o faço à sombra de tuas asas¹, o perigo seria grande demais, se minha alma aí não se abrigasse, e se minha fraqueza não te fosse conhecida.

Sou como uma criança, mas meu Pai vive sempre, e é meu tutor idôneo; ele é a um tempo o que me gerou e o que me protege. Tu és todo o meu bem, tu, onipotente, que estás comigo mesmo antes de eu estar contigo.

Revelarei pois, a estes, a quem me mandas servir, não como fui, mas como já sou agora, e como ainda não sou. Mas não quero julgar-me a mim mesmo². Assim é que peço para ser ouvido.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.214-213.
¹ SL 50,3.
² SL 16,8.
³ 1 Cor 4,3.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O FRUTO DAS CONFISSÕES ( I ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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26/08/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO III

Mas, com que propósito desejam ouvir-me? Desejarão talvez congratular-se comigo, ouvindo quanto me aproximei de ti por tua graça, e orar por mim, ao ouvir quanto me retardou o peso de minhas culpas? A estes mostrarei quem sou; já não é pequeno fruto, Senhor meu Deus, que muitos te deem graças por mim¹, e que muitos te roguem por mim. Possa o coração de meus irmãos amar em mim o que ensinas a amar, e, deplorar em mim o que ensinas a aborrecer! Mas que brotem tais sentimentos em uma alma irmã, e não em almas estranhas, ou nesses filhos espúrios, cuja boca fala vaidade, e cuja direita é a direita da iniquidade²,  que o faça uma alma fraterna que se alegra por mim quando me aprova, e quando me reprova se aflige por mim, porque quer me aprove, quer não, me ama.

É a esses que me revelarei. Que eles respirem diante de minhas boas ações, e suspirem à vista de meus pecados. As obras boas são tuas obras e teus dons; as más são meus pecados, objetos de teus juízos. Respirem pelo bem e suspirem pelo mal, e que subam à tua presença hinos e lágrimas desses corações fraternos, que são os teus turíbulos.

E tu, Senhor, que te alegras com a fragrância de teu santo templo, tem piedade de mim, segundo tua grande misericórdia³ por causa de teu nome; e tu, que jamais abandonas uma obra começada, aperfeiçoa em mim o que há de incompleto.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 213-214
¹ 2 Cor 1, 11.
² SL 143,7.
³ SL 50,3.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

POR QUE SE CONFESSAR AOS HOMENS? ( II ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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25/08/2011 (QUINTA-FEIRA)


CAPÍTULO III


Mas tu, Médico da minha alma, faze-me ver claramente a utilidade de meu propósito. As confissões de meus pecados passados  -  que já perdoaste e esqueceste, para me fazer feliz em ti, transformando minha alma com tua fé e teu sacramento  -  levam o coração dos que as leem e ouvem a não dormir no desespero dizendo: "Não posso". Mas despertem para o amor pela tua misericórdia e para a doçura de tua graça, que fortalece o fraco e este se dá conta de sua debilidade.

O bons, por sua vez, se agradam em ouvir os pecados passados daqueles que já não sofrem. Agrada-lhes, não por serem pecados, mas porque o foram, e agora já não o são.

Mas, Senhor meu  -  a quem todos os dias se confessa minha consciência, agora mais confiante com a esperança na tua misericórdia que na sua inocência  -  que proveito haverá em confessar aos homens, na tua presença, neste livro, não o que fui, mas o que sou agora? Sobre a confissão do passado, e dos seus eventuais proveitos, já falei acima.

Há muitos porém, quer me conheçam, quer não, que desejam saber quem sou agora, neste momento em que escrevo as Confissões. Já ouviram de mim ou de outros alguma coisa a meu respeito, mas seu ouvido não ouve meu coração, onde eu sou o que sou. Querem, certamente, saber por confissão minha o que sou no íntimo, lá onde não podem penetrar com a vista, com o ouvido, ou com a mente. Estão dispostos a acreditar em mim. Mas poderão igualmente estar certos de me conhecer? A caridade, que os torna bons, lhes diz que eu não minto quando confesso tais coisas de mim. É ela que os faz acreditarem em mim.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 212-213.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

POR QUE SE CONFESSAR AOS HOMENS? ( I ) LIVRO DÉCIMO DAS CONFISSÕES

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24/08/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO III

Que tenho eu a ver com os homens, para que me ouçam as confissões, como se eles pudessem curar as minhas enfermidades¹? São curiosos para conhecer a vida alheia, mas indolentes para corrigir a própria! Por que desejam ouvir de mim quem sou, quando não se importam em saber de ti o que são? E como podem saber, ao me ouvirem falar de mim mesmo, se lhes digo a verdade, uma vez que homem algum sabe o que se passa no outro, senão o espírito do homem, que nele habita²? Mas, se ouvissem a ti falar deles, não poderiam dizer: "O Senhor mente". E o que é ouvir-te falar de si, senão conhecerem-se a si mesmos? E quem, conhecendo a si mesmo, pode dizer "é falso", sem mentir?

A caridade crê em tudo  -  pelo menos entre corações que ela unifica em si por seus laços  -  por isso também eu, Senhor, me confesso a ti para que me ouçam os homens. A eles não posso provar que falo a verdade; mas creem-me aqueles cujos ouvidos a caridade abre para mim.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág.212-213.
¹ SL 102,3.
² 1 Cor 2,11.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

FINALIDADE DO LIVRO E O QUE É CONFESSAR A DEUS - CONFISSÕES

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23/08/2011 (TERÇA-FEIRA)


CAPÍTULOS I E II DO LIVRO DÉCIMO

FINALIDADE DO LIVRO

Ó Deus, faz que eu te conheça, meu conhecedor, que eu te conheça como de ti sou conhecido¹. Virtude de minha alma, penetra-a, assemelha-a a ti, para que a tenhas e possuas sem mancha nem ruga².

Esta é a esperança com que falo, e nesta esperança me alegro, quando gozo de sã alegria. Tudo o mais desta vida, tanto menos se há de chorar quanto mais o choramos, e tanto mais teríamos que chorar quanto menos o choramos.

Mas tu amaste a verdade³, porque quem a pratica alcança a luz. Eu desejo praticá-la em meu coração, diante de ti, por esta minha confissão, e diante de muitas testemunhas por meus escritos.  

O QUE É CONFESSAR A DEUS

E, para ti, Senhor, que conheces o abismo da consciência humana, que poderia haver de oculto em mim, ainda que não to quisesse confessar?

Poderia apenas esconder-te de mim, e nunca me esconder de ti. Agora que meus gemidos dão testemunho do desagrado que sinto por mim, tu me iluminas e me agradas, e és amado e desejado a ponto de eu me envergonhar de mim. Renuncio a mim para te escolher, e não quero agradar a ti ou a mim senão por teu amor.

Portanto, assim como sou, Senhor, tu me conheces. Já te disse com que escopo me vou confessando a ti. Faço esta confissão não com palavras e vozes do corpo, mas com as palavras da alma e o brado da inteligência, que teus ouvidos conhecem. Quando sou mau, confessar-me a ti é o mesmo que desprezar a mim próprio; quando sou bom, é apenas nada atribuir a mim mesmo. Porque tu, Senhor, abençoas o justo, mas antes tornas justo ao pecador.

Assim, meu Deus, a confissão que faço em tua presença, é e não é silenciosa; a boca se cala, mas meu coração clama. Tudo o que digo aos homens de verdadeiro já tinhas ouvido de mim, e nem ouves nada de mim que antes não me tivesses dito.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 211-212
¹ 1Cor 13,11.
² Ef 5,27.
³ Sl 50,8.
⁴ Jo 3,21
⁵ SL 5,13
⁶ Rom 4,5.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PRECES PELA MÃE MORTA ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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22/08/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULO XIII

Triunfe a misericórdia sobre a justiça¹, pois as tuas são palavras de verdade, e prometeste misericórdia aos misericordiosos. Se alguém o foi, deve-o à tua graça, tu que tens compaixão de quem te apraz, e usas de misericórdia com quem queres ser misericordioso².

Creio que já fizeste o que te suplico, mas desejo, Senhor, que acolhas os desejos de minha boca³. Estando iminente o dia de sua morte, ela não desejou sepultar seu corpo com grande pompa, ou que fosse embalsamado com preciosos aromas, nem desejou um rico monumento, nem se preocupou em tê-lo na pátria. Nada disto nos pediu, mas desejou apenas que nos lembrássemos dela ante do teu altar, onde servira todos os dias de sua vida, sabendo que nele se oferece a vítima santa, com cujo sangue se destrói o libelo de nossa condenação, e pelo qual vencemos o inimigo que conta nossas faltas e procura com que nos acusar, nada achando naquele que é nossa vitória.

Quem poderá devolver-lhe seu sangue inocente? Quem poderá restituir-lhe o preço pago por nosso resgate, para nos arrancar ao inimigo?  A este mistério de nossa redenção ligou tua serva sua alma com o vínculo da fé. Que ninguém a afaste de tua proteção. Que entre ela e ti não se interponha, nem pela força, nem pelo engano, o leão ou o dragão. Ela não responderá que nada deve, para não ser convencida e arrebatada pelo astuto acusador. Responderá que suas dívidas lhe foram perdoadas por aquele a quem ninguém pode restituir o que por nós pagou sem nada dever.

Que ela repouse em paz com seu marido, antes e depois do qual não teve outro; a quem serviu, com uma paciência cujo fruto te oferecia, para o ganhar também para ti. Mas inspira, meu Senhor e meu Deus, inspira a teus servos, meus irmãos, a teus filhos, meus senhores, a quem sirvo de coração, com a palavra e com a pena, para que, ao lerem estas páginas, diante do teu altar lembrem de Mônica, tua serva, e de Patrício, outrora seu esposo, pelos quais me introduziste misteriosamente nesta vida. Que lembrem com piedoso afeto daqueles que foram meus pais nesta vida transitória, e meus irmãos em ti, ó Pai, na Igreja Católica, nossa mãe, e meus concidadãos na eterna Jerusalém, pela qual suspira de teu povo em sua peregrinação desde a saída até o regresso. Assim, graças às minhas confissões, o último desejo de Mônica será mais amplamente satisfeito com muitas orações do que só pelas minhas. 


(Por Aurelius Augustinus  *354   +430) Pág. 209-210.
¹ Tg 2,13.
² Êx 33,19.
³ Sl 118, 108.
⁴ Col 2,14.
⁵ Lc 8,15.

domingo, 21 de agosto de 2011

PRECES PELA MÃE MORTA ( I ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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21/08/2011 (Domingo)


CAPÍTULO XII

Agora, com a ferida do meu coração já sanada, na qual se podia censurar um afeto muito carnal, derramo diante de ti, meu Deus, por tua serva, outra espécie de lágrimas, bem diferentes, aquelas que brotam do espírito comovido à vista dos perigos que corre toda alma que morre em Adão. É verdade que minha mãe, vivificada em Cristo, antes mesmo de ser livre dos laços da carne, viveu de tal modo, que teu nome era louvado em sua fé e em seus costumes. Contudo, não me atrevo a dizer que desde que a regeneraste no batismo não saiu de sua boca nenhuma palavra contrária à tua lei. Porque a Verdade, que é teu Filho, disse: "Quem chamar a seu irmão de louco será réu do fogo da geena¹". Ai da vida dos homens, por mais louvável que seja, se tu a julgares sem a tua misericórdia! Mas porque não examinas nossos pecados com rigor, confiadamente esperamos tomar lugar a teu lado. Quem enumera diante de ti seus próprios méritos, que mais expõe senão teus dons? Oh! se os homens se reconhecessem como homens! Se quem se glorifica se glorificasse no Senhor²!

Por isso, Deus de meu coração, minha vida e minha glória, esquecendo por um momento as boas ações de minha mãe, pelas quais te dou graças com alegria, peço-te agora perdão por seus pecados. Ouve-me pelos méritos daquele que é médico de nossas feridas, que foi suspenso do madeiro da cruz e que, sentado agora à tua direita, intercede por nós junto de ti³. Eu sei que ela sempre agiu com misericórdia, e que perdoou de coração as faltas contra ela cometidas; perdoa-lhe também suas dívidas, se algumas contraiu em tantos anos que se seguiram ao batismo. Perdoa-lhe, Senhor, perdoa-lhe, te suplico, e não entres em juízocom ela. 

(Por Aurelius Augustinus   *354  +430) Pág. 208-209.
₁ Mt 5,22.
₂ I Cor 10,17.
₃ Rom 8,34.
₄ Sl 142,2.

sábado, 20 de agosto de 2011

AS LÁGRIMAS NEGADAS ( III ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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20/08/2011 (Sábado)


CAPÍTULO XII

Lembrei então a ir aos banhos, por ter ouvido dizer que a palavra banho (bálneo, em latim) vinha dos gregos, que o chamaram balanéion (atirar fora e ania), porque o banho aliviava as tristezas da alma. Mas eu o confesso à tua misericórdia  -  ó Pai dos órfãos¹: depois do banho fiquei como estava antes, porque meu coração não expulsou o amargor de sua tristeza.

Depois adormeci. Ao despertar, minha dor estava mitigada; só, em meu leito, lembrei-me dos versos cheios de verdade de teu Ambrósio. Porque, na verdade

Tu és Deus, criador de quanto existe,
De todo o mundo supremo governante,
Que o dia vestes com tua luz brilhante,
E de sonhos gratos a noite triste

A fim de que aos membros cansados
O descanso ao trabalho prepare
E as mentes cansadas repare
E os peitos de pena oprimidos*

Depois, pouco a pouco, voltava aos sentimentos de antes sobre tua serva. Recordava de sua piedade para contigo, de sua solicitude e paciência comigo, da qual subitamente me via privado. E senti consolação em chorar diante de ti, por causa dela e por ela, e por minha causa e por mim. E deixei que as lágrimas reprimidas corressem à vontade, estendendo-as como um leito reparador sob meu coração. Teus ouvidos eram os que ali me escutavam, e não os de nenhum homem, que pudesse interpretar com soberba meu pranto.

E agora, Senhor, eu to confesso nestas linhas: leia-o quem quiser, interprete-o como quiser. E se alguém julgar que pequei nessas lágrimas, que derramei sobre minha mãe por alguns instantes, por minha mãe então morta a meus olhos, ela que me havia chorado tantos anos para que eu vivesse aos teus olhos, não se ria. Antes, se é grande sua caridade, chore por meus pecados diante de ti, Pai de todos os irmãos de teu Cristo!

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 207-208.
¹ Sl 67,6.
* Deus, creator omnium
polique rector vestiens
diem decoro lumine
noctem sopora gratia,

artus solutus ut quies
reddat laboris usui
mentesque fessas allevet
luctuque, salvat anxios.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

AS LÁGRIMAS NEGADAS ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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19/08/2011 (Sexta-feira)


CAPÍTULO XII

Reprimindo o pranto do Adeodato, Evódio tomou o saltério e começou a cantar um salmo, ao que todos respondíamos: "Misericórdia e justiça te cantarei Senhor¹." Conhecida a notícia de sua morte, acorreram muitos irmãos e mulheres piedosas e, enquanto os encarregados dos funerais faziam seu ofício conforme o hábito, retirei-me para um lugar conveniente, junto com os amigos que julgavam oportuno não me deixar só. Falava sobre assuntos próprios das circunstâncias, e com o lenitivo da verdade mitigava meu sofrimento, só conhecido por ti. Eles o ignoravam e me ouviam atentamente, julgando que não sofria nenhuma dor.

Mas eu, pertinho de teus ouvidos, onde ninguém me podia escutar, censurava a minha sensibilidade e fraqueza e reprimia a onda de tristeza que me invadia; esta cedia por uns instantes, e novamente me arrastava com seu ímpeto, embora não chegasse a derramar lágrimas ou a alterar a face. Somente eu sabia quão oprimido estava meu coração! E como me desgostava profundamente que as vicissitudes humana tivessem tanto poder sobre mim, que são inelutáveis pela ordem natural e a sorte de nossa condição: minha própria dor causava-me outra dor, e me afligia com dupla tristeza.

Quando o corpo foi levado à sepultura, fui e voltei sem derramar uma lágrima. Nem mesmo nas orações que te fizemos, quando oferecemos o sacrifício de nossa redenção por intenção da morta, cujo cadáver jazia junto ao sepulcro antes de ser inumado, como ali é costume, nem mesmo nessas orações, chorei. Mas durante todo o dia andei oprimido por grande tristeza interior; pedia-te como podia, com a mente perturbada, que aliviasses minha dor. Mas não me atendias, sem dúvida para que fixasse, bem na memória, ao menos por esta única experiência, como são poderosos os laços do costume, mesmo em uma alma que já não se alimenta de palavras enganadoras.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 206-207
¹ Sl 100,1

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

AS LÁGRIMAS NEGADAS ( I ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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18/08/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO XII

Fechei-lhe os olhos, e uma tristeza invadiu-me o coração, e já me ia desfazer em lágrimas; ao mesmo tempo, meus olhos, obedecendo ao enérgico poder de minha vontade, fechavam sua fonte até secá-la. Como foi  angustiosa essa luta! E foi quando ela deu o último suspiro, que o meu filho Adeodato rebentou em soluços; mas, instado por todos nós, se calou. Deste modo sua voz juvenil, voz do coração, calou em mim essa espécie de emoção pueril que me provocava o pranto. De fato, não julgávamos correto celebrar aquele funeral com lástimas e choros, pois tais demonstrações deploram geralmente o triste destino dos que morrem, ou sua total extinção. A morte de minha mãe não era uma desgraça, e ela não morria para sempre, e disto estávamos certos pelo testemunho de seus costumes, por sua fé sincera¹ e outras razões inequívocas.

Que era então o que tanto me pungia, senão a ferida recente causada pelo rompimento repentino de nosso dulcíssimo e querido convívio?

Era para mim grande consolação o testemunho que dera de mim, quando nesta sua última enfermidade, respondendo com ternura as minhas atenções, chamava-me de bom filho, e recordava com grande afeto o nunca ter ouvido de minha boca uma só palavra dura ou injuriosa contra ela. Entretanto, o que era, meu Deus e meu Criador, a solicitude que eu lhe tributava, em comparação com o devotamento servil que por mim suportara? Por me ver privado de tão grande consolo, sentia a alma ferida e minha vida, que era uma só com a sua. estava despedaçada.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 206.
¹ I Cor 15,51

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A MORTE DE MÔNICA ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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17/08/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO XI

Mas eu, ó Deus invisível, meditando nos dons que infundes no coração de teus fiéis, e nas admiráveis colheitas que deles brotam, alegrava-me e te dava graças. Lembrava-me do grande cuidado que sempre demonstrara acerca de sua sepultura, adquirida e preparada junto ao corpo do marido. Tendo vivido com ele na maior concórdia, assim também queria  -  visão própria da alma humana incapaz das coisas divinas  -  ter a felicidade de que os homens recordassem que, depois de sua viagem para além-mar, lhe fora concedida a graça de a mesma terra cobrir o pó de ambos os cônjuges.

Quando esta vaidade havia deixado de existir em seu coração, pela plenitude de tua bondade, eu não o sabia, mas alegrava-me com admiração ao ouví-la falar assim. No entanto, naquela conversa à janela quando me disse: "Que faço aqui?" -  já estava patente que não mais desejava morrer na pátria.


Soube também depois que em Óstia, estando eu ausente, falou certo dia com alguns amigos meus, com maternal confiança, sobre o desprezo desta vida e o benefício da morte. Eles, maravilhados da coragem dessa mulher  -  dádiva tua  -  perguntaram-lhe se não temia deixar o corpo tão longe da pátria. "Nada está longe para Deus  -  disse ela  -  nem preciso temer que ele ignore, no fim dos tempos, o lugar onde me ressuscitará".


Por fim, nove dias após cair enferma aos cinquenta e seis anos de sua idade e aos trinta e três da minha, aquela alma santa e piedosa libertou-se do corpo.


(Por Aurelius Augustinus) Pág. 205

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A MORTE DE MÔNICA ( I ) - LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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16/08/2011 (Terça-feira)


CAPÍTULO XI

Não lembro bem o que respondi a tais palavras. Mas cerca de cinco dias mais tarde, ou pouco mais, caiu de cama com febre. Durante a doença, teve um dia um desmaio, ficando por pouco tempo sem sentido e sem reconhecer os presentes. Acudimos de imediato, e logo voltou a si. Vendo-nos a seu lado, a mim e a meu irmão*, perguntou-nos, como quem procura algo: "Onde estava eu?" -  Depois, vendo-nos atônitos de tristeza, nos disse: "Sepultareis aqui a vossa mãe".  -  Eu me calava, retendo as lágrimas, mas meu irmão disse umas palavras em que desejava vê-la morrer na pátria e não em terras distantes. Ao ouví-lo, minha mãe repreendeu-o com o olhar, e aflita por ter pensado em tais coisas; depois, olhando para mim, disse: "Vê o que ele diz." -  E depois para ambos: "Sepultem este corpo em qualquer lugar, e não se preocupem mais com ele. Peço apenas que se lembrem de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejam." E tendo-nos expostos seu pensamento com as palavras que pôde, calou-se; sua moléstia agravou-se e suas dores aumentaram.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 204-205
* Chamava-se Navígio, e era o mais velho dos irmãos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O ÊXTASE DE ÓSTIA ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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15/08/2011 (Segunda-feira)


CAPÍTULOX

E enquanto assim falávamos dessa Sabedoria e por ela suspirávamos, chegamos a tocá-la momentaneamente com supremo ímpeto de nosso coração; e suspirando, deixamos ali atadas as primícias de nosso espírito, e voltamos ao ruído vazio de nossos lábios, onde nasce e morre a palavra humana, em nada semelhante a teu Verbo, Senhor nosso, que subsiste em si sem envelhecer, renovando todas as coisas!

E dizíamos: Suponhamos que se calasse o tumulto da carne, as imagens da terra, da água, do ar e até dos céus; e que a própria alma se calasse, e se elevasse sobre si mesma não pensando mais em si; se calassem os sonhos e revelações imaginárias e, por fim, se calasse por completo toda língua, todo sinal, e tudo o que é fugaz  - uma vez que todas as coisas dizem a quem sabe ouví-las: Não fizemos a nós mesmas; fez-nos o que permanece eternamente¹  -  se, dito isto, todas se calassem, atentas a seu Criador; e se só ele falasse, não por suas obras, mas por si mesmo, de modo que ouvíssemos sua palavra, não por uma língua material, nem pela voz de um anjo, nem pelo ruído do trovão, nem por parábolas enigmáticas, mas o ouvíssemos a ele mesmo, a quem amamos nas suas criaturas, mas sem o intermédio delas, como agora acabamos de experimentar, , atingindo em um relance a eterna Sabedoria, que permanece imutável sobre toda realidade, e supondo que essa visão se prolongasse, que todas as outras visões cessassem, e unicamente esta arrebatasse a alma de seu contemplador, e a absorvesse e abismasse em íntimas delícias, de modo que a vida eterna seja semelhante a este momento de intuição que nos fez suspirar, não seria isto a realização do entrar no gozo de teu Senhor²? Mas quando se dará isto? Por acaso quando todos ressuscitarmos? Mas então não seremos todos transformados³?

Tais coisas dizíamos, embora não deste modo, nem com estas palavras. Mas tu sabes, Senhor, que naquele dia, à medida que falávamos dessas coisas, quanto nos parecia vil este mundo, com todos os seus deleites,  -  disse-me minha mãe: "Filho, quanto a mim, já nada me atrai nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, nem por que ainda estou aqui, se já se desvaneceram para mim todas as esperanças do mundo. Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era ver-te católico antes de morrer. Deus me concedeu esta graça superabundantemente, pois te vejo desprezar a felicidade terrena para serví-lo. Que faço, pois aqui?"

(Por Aurelius Augustinus   *354   +430) Pág. 203-204.
¹ - Sl 99: 3-5.
² - Mt 25,21.
³ - I Cor 15,51.

domingo, 14 de agosto de 2011

O ÊXTASE DE ÓSTIA ( I ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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14/08/2011 (Domingo)


CAPÍTULO X

Estando já próximo o dia em que teria de partir desta vida  -  que tu, Senhor, conhecias, e nós ignorávamos  -  sucedeu, creio, por disposição de teus ocultos desígnio  -  que nos encontrássemos sós, eu e ela, apoiados a uma janela que dava para o jardim interior da casa em que morávamos. Era em Óstia, sobre a foz do Tibre, onde, longe da multidão, depois do cansaço de uma longa viagem, recobrávamos forças para a travessia do mar.

Ali, sozinhos, conversávamos com grande doçura, esquecendo o passado, ocupados apenas no futuro¹; indagávamos juntos, na presença da Verdade, que és tu, qual seria a vida eterna dos santos, que nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração do homem pode conceber². Abríamos ansiosos os lábios de nosso coração ao jorro celeste de tua fonte  -  da fonte de vida que está em ti³  -  para que, banhados por ela, pudéssemos de algum modo meditar sobre coisa tão transcendente.

Nossa conversa chegou à conclusão que nenhum prazer dos sentidos carnais, por maior que seja, e por mais brilhante e maior que seja a luz material que o cerca, não parece digno de ser comparado à felicidade daquela vida em ti. Elevando nosso sentimento para mais alto, mais ardentemente em direção ao próprio Ser, percorremos uma a uma todas as coisas corporais, até o próprio céu, de onde o sol, a lua e as estrelas iluminam a terra.

E subimos ainda mais em espírito, meditando, celebrando e admirando tuas obras, e chegamos até o íntimo de nossas almas. E fomos além delas, para alcançar a região da abundância inesgotável, onde apascentas eternamente a Israel com o alimento da verdade, lá onde a vida é a própria Sabedoria, por quem foram criadas todas as coisas, as que já existem e as vindouras, sem que ela própria se crie a si mesma, pois existe agora como antes existiu e como sempre existirá. Antes, nela não há nem passado, nem futuro: ela apenas é, porque é eterna; mas ter sido ou haver de ser não é próprio do ser eterno.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 202-203.
¹ Fil 3,13.
² I Cor 2,9.
³ Sl 35,10.

sábado, 13 de agosto de 2011

ESPOSA E MÃE EXEMPLAR ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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13/08/2011 (Sábado)


CAPÍTULO IX

Sua sogra, a princípio irritara-se contra ela por causa dos mexericos de criadas malévolas. Mas conseguiu conquistá-la com respeito, contínua tolerância e mansidão, que ela mesma, espontaneamente, denunciou ao filho as línguas intrigantes das criadas, que perturbavam a paz doméstica entre ela e a nora, e pediu que as castigasse. Ele, em obediência à mãe, para manter a disciplina familiar e a harmonia entre os seus, mandou açoitar as acusadas, segundo a vontade da acusante; e esta prometeu-lhes ainda que esse era o prêmio que devia esperar quem, querendo agradá-la, lhe dissessem mal da nora. E ninguém mais se atreveu a fazê-lo, e viveram as duas em doce e memorável harmonia.

A esta tua boa serva, em cujo seio me criaste, ó meu Deus, minha misericórdia¹, dotaste de outra grande virtude: a de intervir como pacificadora, sempre que podia, nas discórdias e querelas. Daquilo que ouvia de queixas amargas, vomitadas com animosidade ressentida, quando na presença de uma amiga os ódios mal digeridos se desafogam em amargas confidências a respeito de uma amiga ausente, ela nada referia de uma à outra, senão o que poderia servir para a reconciliação.

Este dom me pareceria de pouca monta se uma triste experiência não me houvesse mostrado grande número de pessoas  -  por não sei que horrível contágio de pecados, espalhados por toda parte  -  que não só revelam as palavras pesadas de inimigos irados, mas que ainda acrescentam coisas que não foram ditas. Quem fosse realmente humano, deveria ter em pouca conta ou não excitar nem fomentar as inimizades dos homens, e melhor ainda procurar extinguí-las com boas palavras.

Assim era minha mãe, ensinada por ti, mestre interior, na escola de seu coração.

Por fim, conquistou para ti o seu marido, já no fim da vida, não tendo que lamentar no cristão o que havia tolerado no infiel.

Ela era verdadeiramente a serva dos teus servos, e todos os que a conheciam te louvavam, honravam, te amavam em sua pessoa, porque percebiam tua presença em seu coração, confirmada pelos frutos de uma vida santa.

Havia sido uma mulher de um só homem, cumprira sua dívida de gratidão com os pais, governara sua casa piedosamente e dava testemunho com suas boas obras². Educara os filhos, dando-os à luz tantas vezes quantas os via apartarem-se de ti.

E de nós, que nos chamamos teus servos por liberalidade tua, nós que vivemos em comum na graça de teu batismo, antes de adormecer em tua paz, ela cuidou de nós como se todos fôssemos seus filhos, e de tal modo nos serviu como se fosse filha de cada um de nós.

(Por Aurelius Augustinus  *354  +430) Pág. 201-202
¹ Sl 58,18
² 1Tim 5,9s

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

ESPOSA E MÃE EXEMPLAR ( I ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES


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12/08/2011 (Sexta-feira)

CAPÍTULO IX

Educada assim na modéstia e na temperança, mais sujeita a seus pais pela tua mão que por seus pais a ti, logo que chegou à idade núbil, foi dada em matrimônio a um homem, a quem serviu  como a senhor. Procurou conquistá-lo para ti, falando-lhe de ti com suas virtudes, com as quais tu a tornavas bela e reverentemente amável e admirável ante seus olhos. Suportou suas infidelidades conjugais com tanta paciência, que jamais teve com ele a menor briga por isso, pois esperava que tua misericórdia viria sobre ele, e que lhe trouxesse, com a fé, a castidade.

Seu marido, se de um lado era sumamente afetuoso, por outro era extremamente colérico, mas ela tinha o cuidado de não contrariá-lo nem com ações, nem com palavras, se o visse irado. Logo que o via calmo e sossegado, oportunamente, mostrava-lhe o que havia feito, se por acaso se tivesse irritado desmedidamente.

Muitas senhoras, embora tendo maridos mais calmos, traziam no rosto as marcas de pancadas que as desfiguravam. Conversando entre amigas, lamentavam a conduta dos maridos. Minha mãe reprovava-lhes a língua e, como por gracejo, lembrava-lhes que, desde a leitura do contrato matrimonial, deviam considerá-lo como documento que as tornava servas, e portanto proibia-lhes de serem altivas com seus senhores. Essas senhoras, que conheciam o mau gênio de seu marido, admiravam-se de que jamais ninguém tivesse ouvido ou percebido por qualquer indício que Patrício maltratasse a mulher, nem sequer que algum dia tivessem brigado por questões domésticas. E como lhe pedissem confidencialmente a razão disso, minha mãe expunha-lhes seu agir habitual, como acima mencionei. Algumas, após experimentar, punham-no em prática e davam-lhe graças; as que não a imitavam continuavam a sofrer humilhações e violências. 
(Por Aurelius Augustinus   *354  +430)Pág.200-201

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

MÔNICA ( III ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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11/08/2011 (Quinta-feira)


CAPÍTULO VIII

Onde estava então a prudente anciã, e sua severa proibição? Mas que remédio curaria um mal oculto se tua medicina, Senhor, não velasse sobre nós? Na ausência do pai, da mãe e das amas, estavas lá tu que nos criaste, que nos chamas, e que por meio dos que nos educam fazes o bem para a salvação das almas. Que fizeste então, meu Deus? Como a socorreste? Como a curaste? Fizeste sair de outra pessoa segundo tuas secretas providências, um sarcasmo duro e pungente como ferro medicinal, para curar de um só golpe aquela gangrena.

A criada que costumava acompanhá-la à adega, discutindo com sua jovem senhora, como às vezes acontece, estando as duas a sós, lançou-lhe em rosto sua intemperança, chamando-a insultuosamente de bêbada. Ferida por esse sarcasmo, a jovem reconheceu a fealdade daquele hábito, reprovou-o, e no mesmo instante o abandonou.

Assim como muitas vezes as lisonjas dos amigos nos pervertem, assim os insultos dos inimigos nos corrigem. Mas não é o bem que nos fazes por seu intermédio que retribuis, mas a intenção com que o fazem. Aquela criada zangada pretendia ofender sua jovem senhora, e não corrigí-la; e se o fez às escondidas foi só por força da circunstância do lugar e tempo, ou para que não viesse a sofrer por denunciar tão tarde o costume de sua senhora.

Mas, Tu, Senhor, governador do céu e da terra, que desvias para teus desígnios as águas da torrente e regulas o curso turbulento  dos séculos, curaste a loucura de uma alma com a insânia de outra. Por isso ninguém, ao considerar o caso, atribua a seu poder pessoal o mérito de ter corrigido com suas palavras a alguém cuja emenda deseja conseguir.
(Por Aurelius Augustinus   *354   +430)Pág.199-200.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

MÔNICA ( II ) LIVRO NONO DAS CONFISSÕES

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10/08/2011 (Quarta-feira)


CAPÍTULO VIII

Nem ela mesma enaltecia tanto zelo da mãe em educá-la, quanto o de uma velha serva, que carregara seu pai quando menino, como hoje as meninas maiores costumam carregar as crianças, às costas. 

Estas recordações, sua idade avançada e hábitos exemplares lhe assegurava naquela casa cristã o respeito de seus amos. Ela própria cuidava solicitamente das meninas que lhe haviam sido confiadas, ora repreendendo-as quando fosse o caso, com santa e enérgica severidade, ora instruindo-as com discreta prudência. Afora do horário em que tomavam uma sóbria refeição à mesa de seus pais, ainda que tivessem muita sede, nem água permitia que elas bebessem, precavendo com isto um mau costume. E acrescentava este sábio aviso: "Agora bebeis água, porque não tendes como beber vinho; mas quando estiverdes casadas, donas da despensa e da adega, deixareis a água, mas continuará o hábito de beber".

E unindo assim o conselho à autoridade, refreava os apetites daquela tenra idade, e acostumava aquelas jovens à temperança, para que não tivessem desejo do que não lhes convinha.

No entanto  -  como tua serva me contou a mim, seu filho  -  insinuou-se nela certo gosto pelo vinho. Julgando-a menina sóbria, seus pais a escolheram, como era costume, para tirar o vinho do tonel. Mergulhava a caneca pela parte superior do recipiente e, antes de passar o vinho para a garrafa, sorvia com a ponta dos lábios um pouquinho: era-lhe impossível beber mais, porque o vinho lhe repugnava. Não fazia isto movida pela inclinação à embriaguez, mas pela exuberância juvenil, que se manifesta em movimentos, em brincadeiras, e que na meninice costumam ser reprimidos pela autoridade severa dos mais velhos. Mas, acrescentando todos os dias uns goles àqueles goles  -  pois quem descuida das coisas pequenas pouco a pouco cai nas maiores¹  -  acostumou-se a esvaziar avidamente copos quase cheios de vinho puro.

(Por Aurelius Augustinus   *354  +430)Pág. 199
¹ Eclo 19,1. 

EU VIM AQUI PARA TE DIZER QUE

TE AMO, IRMÃO; TE AMO IRMÀ
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